Robert Fico, o populista que quer distância da Ucrânia

Primeiro-ministro da Eslováquia, alvo de uma tentativa de assassínio, continua a recuperar num hospital. Segundo os médicos, encontra-se em estado grave, mas já não corre risco de vida.

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Robert Fico foi reeleito primeiro-ministro em 2023, após ter liderado mandatos entre 2006 e 2010 e entre 2012 e 2018 EVA KORINKOVA / REUTERS
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Robert Fico, de 59 anos, o primeiro-ministro eslovaco que foi alvo de uma tentativa de assassínio na quarta-feira, tinha quatro anos quando as tropas soviéticas entraram na Checoslováquia para esmagar a tentativa de abertura económica conhecida como Primavera de Praga, em 1968.

Duas décadas depois, já como militante comunista e recém-licenciado em Direito, assistiu ao colapso do Partido Comunista da Checoslováquia e à partição do país em dois, e começou então a traçar o caminho que o trouxe até Maio de 2024 — o de um dos políticos mais influentes nos 31 anos de independência da Eslováquia, sempre em partidos de esquerda e centro-esquerda, transfigurado recentemente num dos chefes de Governo europeus mais próximos daquilo que representam figuras como Donald Trump ou Viktor Orbán.

Alguns dos traços que unem Trump e Orbán — principalmente a hostilidade em relação ao jornalismo independente — estão presentes em Fico há vários anos.

Em Janeiro de 2022, um mês antes do quarto aniversário do assassínio do jornalista de investigação eslovaco Jan Kuciak e da sua noiva, Martina Kusnirova — um caso que levou à demissão de Fico, em 2018, sob fortes protestos populares —, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) pediu-lhe que "deixasse de atacar verbalmente jornalistas e de usar esses ataques como parte da sua estratégia política".

Nas declarações que motivaram as críticas da RSF, Fico referiu-se aos jornalistas como "uma organização criminosa apostada em destruir o Estado eslovaco".

Poucos meses antes dessa polémica, o actual primeiro-ministro da Eslováquia, que preparava então o seu regresso à política activa, tinha acusado os jornalistas de serem "um gang de porcos corruptos" que o queriam "destruir" a mando de George Soros — o multimilionário húngaro-americano, descendente de judeus, cujo nome surge, nas mais variadas teorias da conspiração, como financiador de um suposto plano para substituir a população branca e cristã e impor uma nova liderança global.

Rússia e pandemia

O regresso de Fico à política activa na Eslováquia, em 2023, depois de mandatos como primeiro-ministro entre 2006 e 2010 e entre 2012 e 2018, ficou marcado por uma série de propostas que os seus críticos dizem ser inspiradas em Orbán, através de uma tentativa de enfraquecimento do combate à corrupção e do controlo do sistema judicial, e também de um reforço da sua postura anti-imigração e de hostilização de minorias como a comunidade LGBTQI.

Além disso, a invasão da Ucrânia pela Rússia, em Fevereiro de 2022, e a pandemia de covid-19, levaram Fico a colar-se ainda mais ao movimento nacionalista e anti-intervencionista que tem animado uma grande parte dos eleitorados nos Estados Unidos e na Europa na última década, na sequência de uma série de ataques terroristas cometidos por radicais islamistas e da chegada de centenas de milhares de migrantes e refugiados às fronteiras europeias, em 2015, e dos triunfos eleitorais do "Brexit" e de Donald Trump, em 2016.

Durante a campanha eleitoral de 2023, que ficou marcada por um ambiente tóxico, com agressões físicas entre adversários políticos, Fico prometeu que, se fosse eleito primeiro-ministro — como veio a acontecer, em Outubro —, o país iria pôr fim ao envio de armas e munições para a Ucrânia, uma promessa vista como particularmente populista, já que o país não teria, à altura, mais armamento moderno disponível para entrega. (Apesar dessa postura, o Governo de Fico nunca se opôs à assistência financeira europeia à Ucrânia, ao contrário do Governo húngaro de Orbán.)

Em Janeiro, o chefe do Governo eslovaco reafirmou, numa entrevista ao canal público do país, o seu posicionamento contrário ao da maioria dos países da União Europeia na questão da guerra na Ucrânia, defendendo a urgência de um "compromisso" entre a Rússia e a Ucrânia. "O que é que eles querem? Que os russos abandonem a Crimeia, o Donbass e Lugansk? Isso é irrealista", afirmou Fico.

"Ele está a seguir o exemplo de Trump, fazendo tudo o que for preciso à esquerda e à direita", disse Milan Nic, um investigador no Conselho Alemão de Relações Internacionais, ao jornal britânico The Guardian. "Tem conseguido posicionar-se muito bem como um político anti-sistema, e o seu principal objectivo, agora, é travar os esforços judiciais que o ameaçam. Está a escapar [a possíveis acusações criminais] ao vencer eleições."

Outro analista político eslovaco, Grigorij Meseznikov, disse ao mesmo jornal, na quarta-feira, que a pandemia de covid-19 permitiu a Fico "tornar-se no político mais representativo do movimento contra o uso de máscaras e as vacinas" — um posicionamento dos novos líderes populistas e nacionalistas que foi premiado por fatias significativas dos eleitorados nos EUA e na Europa, e que passou a ser, no Partido Republicano norte-americano, um teste decisivo para a ascensão política no país.

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