Manuais de parentalidade: um engodo para os pais?
Um bom livro sobre estas aventuras de ser pai/mãe pode ser das formas mais bonitas e poderosas de encontrarmos segurança nas escolhas que fazemos
Querida Ana,
Uma carta da Argentina, mais propriamente de Buenos Aires onde estive na Feira do Livro, a convite da Câmara Municipal de Lisboa, porque Lisboa foi a cidade convidada deste ano. E, Ana, foi mesmo comovente a quantidade de pessoas que vieram ter comigo para me contar que os avós eram portugueses, desejosos de falar de todas as tradições que ainda mantinham, e do esforço que faziam para continuar a ler na nossa língua.
A Feira é num espaço enorme, com sessões de autores argentinos que enchem salas de centenas de pessoas, e sente-se o entusiasmo dos leitores, com filas para as caixas das diferentes editoras, o que é particularmente significativo num momento em que a inflação duplica os preços literalmente de um dia para o outro, e as pessoas andam com molhos de notas no bolso que valem cada vez menos. “Felizmente os portenhos preferem ler a comer”, disse-me um editor argentino com quem conversei.
Mas conto-te tudo isto, para chegar ao tema da minha birra de hoje: a quantidade extraordinária de “manuais” sobre a gravidez, o parto e a educação das crianças. Compreende-se que uma mãe, um casal, esteja ávido de informação, de respostas para todas as dúvidas perante uma experiência completamente nova e que, em muitos casos, nem sequer teve oportunidade de observar de perto, mas irritam-me tanto os títulos destes manuais, em que se prometem milagres de noites ininterruptas de sono, dias sem birras nem contratempos, o prato rapado até à última migalha, um “desfraldar” em quatro tempos e por aí adiante. E os pais parecem gostar de cair na esparrela e compram alegremente.
Pronto, está feita a birra. E agora para a parte construtiva: Ana, que livros de “parentalidade” recomendas a quem vai ser pai ou mãe pela primeira vez?
Querida Mãe,
Primeiro: volte! Não a gosto de ter longe nem de não lhe poder ligar a qualquer hora do dia.
Em relação aos manuais sobre parentalidade, concordo que é uma loucura a quantidade, e há tantos desses livros que na tentativa de vender mais, não fazem outra coisa que não seja apelar ao nosso lado mais ansioso que tudo o que deseja são soluções rápidas! No entanto, um bom livro sobre estas aventuras de ser pai/mãe pode ser das formas mais bonitas e poderosas de encontrarmos segurança nas escolhas que fazemos.
Em todos os outros temas, acho fundamental ler livros com opiniões diferentes das nossas, para nos abrir a cabeça, mas na parentalidade acho que devemos procurar livros que vão ao encontro daquilo que intuitivamente sentimos que é o caminho certo. Que nos mostrem que não estamos sozinhos. Que nos acalmem a culpa excessiva.
Pode parecer estranho este meu conselho, mas temos de nos lembrar que ao perdermos comunidades mais pequenas onde todos educavam mais ou menos da mesma maneira, e ao sermos confrontados com tantas opções diferentes (amamento, dou fórmula, dou chucha, não dou, faço BLW ou comida passada, etc.), abrimos uma caixa de Pandora onde em vez de nos limitarmos a “viver”, passamos os dias a medir, comparar e estudar na tentativa de encontrar a verdade.
Só que não existe uma verdade. Não existe só um percurso certo, muito menos que sirva para todos. Por isso, aconselho que ou se leiam livros bem fundamentados do ponto de vista científico sobre o desenvolvimento da criança (para saber o que esperar de cada fase e ajustar expetativas), ou livros que estejam em linha com as nossas intenções, filosofias e estilo de vida.
Na prática, os livros que mais me ajudaram foram:
- Carlos Gonzales, Besame Mucho,
- Constança Cordeiro Ferreira, Os bebés também querem dormir,
- Ross Greene, How to raise human beings,
- Adele Faber e Elaine Mazlish, Como falar para as crianças ouvirem e ouvir para as crianças falarem.
Mas não são “os certos”, são só os que funcionaram para mim e para os meus filhos.
Beijinhos
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990