Mohammad Rasoulof fugiu do Irão e chegou à Europa

Um comunicado do realizador chegou às redacções internacionais: está algures na Europa. O seu novo filme estreia-se no Festival de Cannes, que começa esta terça-feira. Virá apresentá-lo?

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O cineasta iraniano Mohammad Rasoulof tinha o passaporte confiscado pela República Islâmica. Não compareceu em Berlim para receber o Urso de Ouro nem marcou presença em Cannes no ano passado Thomas Niedermueller/Getty Images
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A imprensa internacional noticia: o cineasta iraniano Mohammad Rasoulof, na semana passada condenado por um tribunal revolucionário a oito anos de prisão, a flagelação e à confiscação do seu património devido a "conluio com a intenção de cometer crimes contra a segurança do país", terá fugido do Irão.

Publicações como a revista Variety e o Nouvel Obs, sites como a Indiewire, Deadline ou Mediapat citam um comunicado assinado por Rasoulof, cujo último filme, The Seed of the Sacred Fig, está seleccionado para a competição do Festival de Cannes que abre esta terça-feira.

Nessa suposta declaração do cineasta que está em paradeiro desconhecido e escrita no domingo, ele anuncia ter chegado à Europa "há alguns dias depois de uma longa e complicada viagem. Há cerca de um mês os meus advogados informaram-me que a minha pena de oito anos tinha sido confirmada e que seria implementada em breve. Sabendo que notícias sobre o meu novo filme [sobre a sua apresentação em Cannes] iriam ser anunciadas, percebi sem sombra de dúvida que uma nova sentença seria acrescentada a esses oito anos". Na semana passada, o advogado de Rasoulof, Babak Pakania, dissera já que as autoridades iranianas tentavam, de facto, pressionar com a execução da pena para que o filme fosse retirado do festival.

"Não tive muito tempo para decidir", continua Rasoulof nessa declaração. "Tinha de escolher entre a prisão e abandonar o Irão. É com o coração pesado que escolho o exílio. A República Islâmica confiscou o meu passaporte em Setembro de 2017"— por isso não pôde ir a Berlim receber o Urso de Ouro por O Mal não Existe em 2020, nem a Cannes em 2023 participar no júri da secção Un Certain Regard — "e dessa maneira tive de deixar o Irão em segredo".

O distribuidor internacional do filme, Christophe Simon, é citado pela Variety: diz-se "aliviado" por Mohammad ter chegado são e salvo à Europa e que espera que "ele possa assistir à estreia de The Seed of the Sacred Fig". É o que se espera.

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Thierry Frémaux, o director artístico de Cannes, diz que o festival é cúmplice do conteúdo do filme de Rasoulof Marc Piasecki/WireImage

Não por acaso, no encontro tradicional do director artístico do Festival de Cannes, Thierry Frémaux, com os jornalistas e críticos que começam a chegar a Cannes, um ritual de boas-vindas em vésperas de tudo começar, o "caso Rasoulof" foi abordado. Não a sua fuga do Irão, porque ainda não tinha surgido essa notícia, mas o facto de o festival ter seleccionado The Seed of a Sacred Fig à última hora, no dia 22 de Abril, praticamente uma semana depois do anúncio da selecção oficial desta 77.ª edição.

Por isso também vai ser exibido só no último dia da competição, a 24, quando, tradicionalmente, uma parte dos jornalistas e críticos já se ausentaram. Aliás, fazendo mesmo com que o efeito explosivo de alguns filmes que chegam no final e arrebataram a Palma de Ouro aconteceu com Rosetta dos Dardenne, que encerrou a competição em 1999 — tenha sido testemunhado por poucos.

Frémaux nega que tenha havido qualquer intenção de esconder ou suavizar um motivo de perturbação ou de erupção política no festival programando o filme para o final. Simplesmente, diz, The Seed of the Sacred Fig não estava pronto e quando se evidenciou que era possível mostrá-lo já a agenda do festival ia adiantada. "Apoiamos tudo aquilo que o filme conta", disse, referindo-se à forma "como insidiosamente a ditadura iraniana entra nas famílias".

O Festival de Cannes, insistiu, não procura a polémica e esta edição tinha até a intenção de "recentrar" tudo no ecrã, no cinema. Mas, numa tradição que segundo ele próprio lembrou remonta a 1946, quando depois da II Guerra o festival apresentou La Bataille du Rail, de René Clément, e Roma Cidade Aberta, de Roberto Rossellini, os filmes não podem escapar às convulsões do mundo. Insistiu com os jornalistas: não se vão embora antes do final, vejam o filme de Mohammad Rasoulof.

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