Oficina Marques: Da madeira à cerâmica, os painéis de Gezo e José estão a crescer
Em casas particulares, hotéis e restaurantes, o trabalho da lisboeta Oficina Marques espalha histórias coloridas em forma de objectos decorativos. Grandes e pequenos.
Quem, há um ou dois meses, entrasse na Oficina Marques, em pleno Bairro Alto, em Lisboa, veria que a zona da galeria estava totalmente ocupada com peças em madeira, umas grandes, outras pequenas, de muitos formatos e com muitas tonalidades, dos verdes aos laranjas, passando pelos azuis. Gezo Marques e José Aparício Gonçalves estavam a finalizar o seu último painel, o maior que alguma vez fizeram, com oito metros, para assinalar as duas décadas de vida do restaurante Eleven, no alto do Parque Eduardo VII, também na capital.
Orgulhoso, Gezo Marques, de origem brasileira e que em tempos trabalhou na área da publicidade, passeia-se pela galeria, mostrando as paredes pejadas de peças de madeira e cerâmica, trabalhos decorativos que contam a história da dupla de artistas que abriram o seu espaço em 2018. Entrar no número 71 da Rua Luz Soriano é como chegar a uma loja onde todas as peças são originais porque saem do ateliê dos artistas. A primeira sala é, de facto, uma loja com as diversas colecções expostas, relicários, pratos, taças, vasos, jarras ou esculturas moldadas pelas mãos da dupla de artesãos. Ao lado, também com montra para a rua, fica a galeria e numa zona interior é o ateliê, cheio de luz natural e onde muitas das ideias surgem.
Para assinalar os 20 anos do Eleven (uma estrela Michelin, com o chef alemão Joachim Koerper à frente), Miguel Júdice decidiu "encomendar uma peça site specific" e a "opção natural" era fazê-lo a Gezo Marques e José Aparício Gonçalves, diz o proprietário do espaço ao PÚBLICO, por e-mail. Para se inspirar, a dupla partiu da envolvência do espaço. Um edifício minimalista no meio do verde do Parque Eduardo VII, com uma vista privilegiada sobre e a cidade e com o azul do rio Tejo ao fundo. Em dias bons, o sol brilha, mas há também uma aragem muito característica da zona, começa por contextualizar Gezo Marques.
A inspiração também chegou quando a dupla visitou o Palácio da Justiça, mesmo por detrás do restaurante, e viu os painéis de azulejo modernistas, criados por grandes artistas como Júlio Resende, Jorge Barradas e Querubim Lapa, recorda Gezo Marques, enquanto mostra ao PÚBLICO os painéis inacabados, mas onde já se percebe que ali se encontram os quatro elementos: terra, água, fogo e ar. Mais do que artesãos, Gezo e José gostam de se apresentar como "contadores de história" porque é isso que fazem em cada novo projecto. "Que história queremos contar? Então, fizemos essa ligação com os elementos porque precisamos dos quatro elementos para cozinhar, para produzir", declara o artista, exemplificando que é da terra que vêm os alimentos, a água, o fogo e o ar são necessários para os cozinhar.
As peças de madeira têm tamanhos e alturas diferentes, o que permite dar ao painel uma certa volumetria e movimento. Quando falou com o PÚBLICO, Júdice ainda não tinha visto os painéis, só o estudo prévio. "Gostámos instantaneamente e encaixa perfeitamente no conceito do nosso espaço e na nossa ligação aos elementos da natureza", declara.
Há pormenores na madeira que revelam a sua origem, os artistas reaproveitam e reutilizam materiais — por exemplo, há tacos de madeira, pedaços de uma cómoda ou de gavetas, caixas de vinho, tampos de mesa que se transformam em peças decorativas ou em pormenores deste ou de outros painéis, uma vez que o trabalho da Oficina Marques é já conhecido e pode ser apreciado noutros espaços como o restaurante Soul Garden, no Hotel Corinthia, em Lisboa, para onde desenvolveram quatro obras; para o restaurante Nem Carne Nem Peixe, no Porto, do chef David Jesus. Ou, mais recentemente para o Madrasta, em Paço de Arcos, o novo restaurante do grupo Pasta Non Basta. "Já fizemos uns 40 painéis", contabiliza o criador, referindo que os materiais usados são a madeira e a cerâmica.
Para Miguel Júdice, o painel vai "valorizar o restaurante na sua componente de intervenção artística e cultural e também no que diz respeito à melhoria estética do espaço". "Vai ser seguramente uma mais-valia e será mais um dos pontos de atracção", acredita. Os projectos da Oficina Marques estão ainda em casas particulares ou em hotéis. Por exemplo, para o Hotel Gyp Sea – St Barth, no mar das Caraíbas, foram feitos quatro painéis. Mais perto, o trabalho dos artesãos pode ser visto na Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, no Douro. São painéis decorativos, mas contam sempre uma história, vinca Gezo Marques, que se encarrega da visita do PÚBLICO enquanto José Aparício Gonçalves está em reunião no ateliê. "O poder contar uma história com os objectos é muito interessante", diz com um sorriso.
Há elementos que os inspiram sempre, confessa Gezo Marques, além do mar e do mato — a fé, revela. "A fé faz essa ligação com o espiritual mais amplo, com essa energia", diz, mostrando um vaso de cerâmica com cerca de 300 a 400 peças amarradas, cada uma com uma palavra, "luz", "paz", "amor"... "Para nós, não faz sentido uma fé sem corpo", continua, mostrando a parede da galeria pejada de pequenas peças de cerâmica com olhos, mãos, pés, corações. O corpo é outra fonte de inspiração. "Precisamos do corpo para sentir. O corpo é também um espaço de encontro", declara. Por fim, Lisboa, a cidade que os acolhe e aquela que vivem com grande energia e sempre com novas ideias para criar objectos. Grandes ou pequenos.
Por esta altura, os painéis que ocupavam todo o espaço da galeria estão pendurados no Eleven e já há um novo projecto naquela sala que é também uma mostra do trabalho dos artistas. "As pessoas vinham à procura do nosso trabalho", explica Gezo Marques para justificar por que não expõem obras de outros criadores. Contudo, a dupla gosta de fazer parcerias e colaborações, salvaguarda, dando como exemplo a Lisbon Design Week, entre 22 e 26 deste mês, com actividades em ateliês, galerias e lojas, para mostrar o trabalho de artesãos e designers locais. Por estes dias e até dia 1 de Junho, a sala será transformada num enorme cesto de piquenique e não haverá painéis, mas peças de cerâmica que ajudam a celebrar a vida e o amor, uma parceria com o Andringa Studio, que construirá um ambiente campestre para envolver a exposição "A beleza salvar-nos-á", e o resto... Bem, é ir até ao Bairro Alto e descobrir por que é que o mote da Oficina Marques é "Tusa de Viver". No final, José Aparício Gonçalves junta-se à conversa e resume: "Gostamos de celebrar a vida, em conjunto, através da arte."
Texto corrigido às 12h de dia 12/05/2024: o chef Joachim Koerper não é austríaco mas alemão.