Corrida para a Glória: desfile de carros espectaculares, mas sem tino nem propósito

Há centenas de clips no YouTube que cumprem bem melhor a função nostálgica do que este filme de Stefano Mordini.

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Corrida para a Glória vem na senda de outras dramatizações recentes de histórias do automobilismo desportivo, do Rush de Ron Howard, há coisa de dez anos, ao Le Mans ’66: o Duelo de James Mangold ou ao Ferrari de Michael Mann. Infelizmente, face a um qualquer um destes exemplos, parece um produto de contrafacção.

A história era potencialmente boa (e ainda há muitas boas histórias sobre corridas de carros para contar), sobretudo pelo seu mergulho nos ralis do princípio dos anos 80, numa época em que o interesse das grandes marcas (a Audi e a Lancia, neste caso) pela modalidade começava a gerar uma espécie de corrida ao armamento que redundaria em carros progressivamente mais potentes e inseguros, na origem de várias tragédias (até ao funesto ano de 1986, quando a Federação Internacional do Automóvel se viu obrigada a pôr um ponto final na escalada).

No filme de Stefano Mordini, o foco é só no ano de 1983, no acompanhamento do mundial de ralis desse ano, e no duelo entre os italianos da Lancia e os alemães da Audi. Mas a dramaturgia é tão cinzenta que desperdiça as próprias propriedades simbólicas que o filme desajeitadamente enuncia: o tradicionalismo da Lancia contra a modernidade tecnológica da Audi, a “manha” italiana contra o pragmatismo frio dos alemães.

A incapacidade de criar um conflito, de atribuir ao duelo um simbolismo que extravase a mera questão desportiva, é um sério problema do filme, que tem consequências também ao nível das personagens: o protagonista (o lendário Cesare Fiorio, director da equipa da Lancia, interpretado por Riccardo Scamarcio) passa o tempo angustiado, mas não há nenhuma razão superlativa para essa angústia, nem a sua história se aproxima dos abismos pessoais que Michael Mann concebeu para o seu Enzo Ferrari.

Desperdiçam-se as personagens dos pilotos, meras silhuetas sem existência real (e mais uma vez havia matéria-prima: de Walter Röhrl, o alemão genial e idiossincrático, a Hannu Mikkola, o mais rijo dos “finlandeses voadores”, passando evidentemente por Michèle Mouton, o caso mais dramático da indiferença com que o filme de Mordini trata os seus sujeitos e os seus objectos).

Muito rapidamente o filme se converte num desfile de carros espectaculares, mas sem tino nem propósito (nem chega a ser “fetichista”, tão falho de ideias, tão falho de “olhar” que é), e em absolutamente nada mais do que isso. Ver os Lancia 037 e os Audi Quattro a saírem do museu para um “último hurrah” é a única razão concebível para se ir ver este filme, mas ainda assim há centenas de clips no YouTube que cumprem bem melhor a função nostálgica.

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