Cândido – O Espião que Veio do Futebol é um filme que não veio do cinema
Merecia melhor filme a história de uma figura excepcional, Cândido de Oliveira.
Não era a “cidade nua” dos oito milhões de histórias (como dizia a série de televisão), era até, ao que tudo indica, uma cidade bastante pudica no seu vestuário, mas a Lisboa dos anos 40, a Lisboa da II Guerra, ainda deve conservar uma valente porção de histórias por contar.
Cândido – O Espião que Veio do Futebol propõe-se contar uma delas, a de uma figura excepcional: Cândido de Oliveira, futebolista, treinador, jornalista desportivo (um dos fundadores de A Bola), anti-salazarista e, por aqueles anos, envolvido numa rede de espionagem e sabotagem antinazi. Já o dissemos várias vezes: este tipo de abordagem de episódios e figuras da história recente é algo que tradicionalmente falta ao cinema português, e que se podia fazer mais.
Mas também se podia fazer melhor. Cândido não é, está longe de ser, a inépcia total de um filme como o recente Soares é Fixe!, e nele tudo exala uma impressão de competência e profissionalismo, da maneira como o argumento se estrutura à maneira como se faz a reconstituição dos ambientes da época.
Ao mesmo tempo, não há um único momento ao longo da projecção em que sejamos capazes de justificar a presença deste filme numa sala de cinema, e o que ele nos parece, do primeiro ao último momento, é um telefilme em ponto grande, com modorra narrativa de televisão, escala de planos de televisão, imagem (sobretudo, iluminação) de televisão, actores empenhados em restituir um estilo de naturalismo eminentemente televisivo (a excepção é Carloto Cotta, que manifesta em cada segundo da presença em campo do seu agente da PVDE um evidente gozo em ser por uma vez o mau da fita, e com isso a personagem mais maniqueísta do filme é também a mais viva), uma sinalização da época que também mal se distingue do “verismo” museológico dos produtos de televisão.
Nada aqui é “mal feito” (enfim, algumas coisas são: a careca falsa que puseram na cabeça de Tomás Alves quase rebenta a “suspensão da descrença” a cada grande plano), nada aqui é “falhado”, e dizer isto não comporta ironia nenhuma porque o filme encarna na perfeição a ideia que lhe subjaz – a ideia do “audiovisual”, a ideia da “ficção nacional”. Que são, essencialmente, ideias de televisão, que deixam o cinema à porta.
Daí que não haja paradoxo nenhum, e Cândido seja um objecto escorreito, profissional, até certo ponto irrepreensível, tão irrepreensível como incolor, insípido, inodoro, e onde o cinema não entra.