Jovens chineses vão trabalhar de pijama e chinelos — uma revolta contra empregos deprimentes

É uma revolta silenciosa contra os chefes e a elevada taxa de desemprego jovem no país. Vestem as primeiras peças que encontram sem se preocuparem com combinações ou comentários.

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Jovens usam as piores roupas para o trabalho Kendou S/Douyin
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Há uma nova tendência que está a crescer entre os jovens trabalhadores chineses: vestir roupas que habitualmente só usariam em casa, como pijamas, fatos de treino ou pantufas, para ir trabalhar.

O conceito chama-se gross outfits (roupas horrorosas, em tradução livre) e surgiu depois de Kendou S ter publicado um vídeo no Douyin (TikTok), no final de Fevereiro, com as roupas que escolheu para o dia de trabalho. Optou por um casaco impermeável comprido, umas calças com padrão xadrez que parecem ser de pijama, chinelos de quarto, um gorro e uma espécie de máscara que protege contra o frio.

Segundo o The New York Times, no vídeo a mulher revela que o chefe lhe disse várias vezes que as roupas que usava eram “horrorosas” e que precisava de melhorar o guarda-roupa para respeitar a “imagem da empresa”. A publicação tem 753 mil gostos, 136 mil comentários e foi partilhada mais de um milhão de vezes. A par disto, serviu de inspiração para outros vídeos com as hashtags #grossoutflitwork ou #uglyclothesshouldbeforwork publicados nas redes sociais chinesas Douyin e Weibo.

Para os jovens que seguem a tendência, usar as piores roupas do armário no local de trabalho é uma forma de revolta silenciosa contra os chefes e falta de condições de trabalho na China: para os que têm emprego as horas extras fazem parte do dia-a-dia, mas a maioria dos jovens dos 16 aos 24 anos não tem sequer trabalho.

Segundo dados revelados em Janeiro pelo Governo chinês, a taxa de desemprego jovem neste país em Dezembro de 2023 era de 14,9%. No entanto, adianta a CNN, não é um valor real tendo em conta que só foi revelado cinco meses depois. A par disto, escreve o Times, o vestuário de trabalho das mulheres chinesas é mais restrito do que o dos homens.

“Só quero vestir o que quiser. Não acho que vale a pena gastar dinheiro para me vestir bem para o trabalho quando só estou sentada”, afirmou ao mesmo jornal Cindy Luo, designer de interiores na cidade de Wuhan. É por isso que costuma usar uma camisola por cima do pijama, um casaco e, ocasionalmente, calça sapatilhas em vez de pantufas.

Roupas favoritas não podem "cheirar a trabalho"

Joeanna Chen, que trabalha como tradutora numa clínica de beleza em Hangzhou, só usa pijamas para dormir, mas também prefere vestir roupa confortável no dia-a-dia.

Tem 32 anos, mas diz que deixou de ter ambição de progredir na carreira ou interesse em receber um aumento salarial. Em vez disso, põe o bem-estar físico e mental em primeiro lugar — termo conhecido como quiet ambition.

Num dos dias de trabalho, descreve o The New York Times, optou por um casaco amarelo comprido com padrões de vacas nas mangas, uma camisola de lã que lhe tapava as orelhas, calças pretas, meias coloridas e chinelos.

“Adivinhem quanto tempo vai demorar até o chefe falar com ela”, escreveu uma colega de trabalho que publicou a fotografia de Joeanna nas redes sociais.

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O chefe de Joeanna Chen (à esquerda), pediu-lhepara vestir "algo mais sexy" DR

A mulher revelou que, como seria de esperar, o chefe foi falar com ela e, como das outras vezes, voltou a pedir-lhe que vestisse “algo mais sexy”. A tradutora recusa-se a fazê-lo, e faz o mesmo quando lhe pedem para executar tarefas que não quer.

Além de quererem estar confortáveis, explica a CNN, há trabalhadores que preferem não vestir as roupas que mais gostam para não ficarem com banwei que, em português, significa algo como "cheiro a trabalho".

A imprensa chinesa tem criticado o descuido com o vestuário, tal como a falta de ambição profissional e a o desejo de um estilo de vida mais tranquilo. O Diário do Povo, por outro lado, órgão de comunicação estatal, apelidou a tendência de “ridícula” e “autodepreciativa”, mas acrescentou que desde que os trabalhadores tenham um comportamento correcto e “não prejudiquem outras pessoas”, são livres vestirem o que quiserem.

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