A escola pode ser um antídoto para a xenofobia

Quando não dominamos o idioma em que queremos comunicar, tendemos a participar menos, a sentirmo-nos muito mais limitados, menos inteligentes, incapazes de usar o sentido de humor e a ironia.

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Na Escola Basica 2/3 Virginia Moura, em Moreira de Cónegos, existem alunos de 13 nacionalidades e diferentes religiões Adriano Miranda/Arquivo
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Querida Ana,

Quando leres esta carta, já devo estar a caminho da Argentina, onde vou participar na Feira do Livro de Buenos Aires, e espero que já estejas cheia de saudades minhas. Falando a sério, nunca consigo sair de perto dos meus filhos sem um aperto no estômago, com aquele medo de que possam precisar de mim quando estou tão longe, mas a boa notícia é que à medida que vos vejo rodeados das vossas próprias famílias, parto mais descansada. Já confio nas gémeas para me substituírem a tomar conta de ti e da tua irmã — uma nova utilidade para os netos, de que só neste preciso instante tomei consciência. Educaram-nas tão bem que sei que têm maturidade para vos ajudar e apoiar, se for preciso. E isso sossega-me.

Outro assunto. Na sequência do meu esforço de preparar uma apresentação em espanhol, queria falar-te sobre a importância de aprendermos línguas, não só o inglês, mas o espanhol, o chinês, todas de preferência. Porque quando não dominamos o idioma em que queremos comunicar, tendemos a participar menos, a sentirmo-nos muito mais limitados, menos inteligentes, incapazes de usar o sentido de humor e a ironia. O que me levou a pensar na necessidade de investir a sério no ensino do português para aqueles que escolhem aqui viver e trabalhar, porque sem o domínio da língua é impossível a integração plena.

Os mais novos têm a sorte de chegar em idade escolar, mas apesar de o Ministério da Educação ter instituído a disciplina de Português Língua Não Materna, um apoio extra de uma hora por semana, continua a ser um desafio enorme para as escolas. Ana, tinhas noção de que na zona da Grande Lisboa, por exemplo, muitas escolas já têm mais de 50% de estrangeiros, e de seis ou sete nacionalidades diferentes? Com a agravante de que, muitas vezes, são crianças que aliam a dificuldade da língua, a muitas outras carências que, obviamente, interferem na qualidade da aprendizagem.

Tu, que estudaste numa escola com alunos de imensas nacionalidades, o que tens a dizer sobre esta minha preocupação?


Querida Mãe,

Já estou a morrer de saudades suas!

Mas, por favor, não me diga que vou ter de esperar até os meus filhos terem filhos adolescentes para conseguir viajar sem esse aperto no estômago! É das coisas de que sinto mais a falta da minha vida pré-maternidade: viajar (mesmo que seja para perto de casa) sem esse medo, sem esse desconforto. Sei que nem todas as mães o sentem, mas parece-me que para qualquer pessoa com um perfil mais ansioso e preocupado é uma prova difícil. Por isso, aproveite ao máximo, sabendo que estamos bem, e sim, que nos temos uns aos outros. Ah, e parabéns pelo convite para levar os seus livros à Argentina!

Agora, fiquei mesmo a pensar no que disse em relação às crianças que vieram para Portugal e que têm muito pouco apoio para aprender a nossa língua, sobretudo se forem mais velhas e caírem de pára-quedas no 2.º ou 3.º ciclo. É urgente apoiar essas famílias para que se possam integrar o melhor possível. E não o digo só pelos que chegam — e que, tantas vezes, passaram já por situações altamente traumatizantes e que. se não falarem a língua, correm o risco de continuarem a ser ostracizados —, mas também pelos nossos filhos que só têm a ganhar com a exposição a uma grande diversidade cultural, que lhes abre novos mundos.

Tive o maior privilégio por ter estudado com gente de tantas outras nacionalidades e tenho a certeza de que esse facto, só por si, é dos melhores antídotos contra a xenofobia e os extremismos radicais que estão a surgir por toda a Europa.

É tão mais inteligente prevenir os problemas do que remediá-los, mas parecemos estar sempre à espera que os incêndios deflagrem, para só então os ir apagar. As escolas e os professores precisam de mais apoio para este trabalho, e é por aí que se deve começar.

Boa Viagem!


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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