“Capri está a tornar-se um dormitório para turistas”

A ilha italiana chega a ter mais turistas que residentes. Presidente da câmara critica quem quer a Capri do passado: então, “havia miséria e pobreza. Agora há riqueza, e isso é graças ao turismo.”

Foto
Ciro De Luca / REUTERS
Ouça este artigo
00:00
05:57

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Célebre pelas suas praias de águas azul-turquesa, vistas deslumbrantes e costa repleta de enseadas, a ilha mediterrânica de Capri tem sido um paraíso turístico desde os primeiros anos do império romano.

Ao contrário dos tempos do império, em que os imperadores faziam dela o seu recreio exclusivo, Capri atrai agora visitantes de todo o mundo, que entopem as suas ruelas estreitas, enchem as praças e bloqueiam as praias durante os meses quentes de Verão.

A ilha recebe 16 mil turistas por dia durante a época alta, ultrapassando o número de 12.900 residentes. A maioria são visitantes de um dia, mas cada vez mais turistas passam a noite na ilha, não parando de aumentar o número de casas tornadas exclusivamente alojamentos de férias. O que traz os seus inerentes problemas.

"Capri está a tornar-se um dormitório para turistas", afirma Teodorico Boniello, presidente da associação de consumidores locais. "Há mais pessoas a chegar do que as que conseguimos aguentar e as famílias não conseguem criar raízes porque não têm dinheiro para ficar."

Foto
REUTERS/Ciro De Luca

Os habitantes de Capri dependem dos visitantes para a sua subsistência, mas o avanço do turismo de massas corre o risco de transformar os seus sítios envoltos em paisagens perfeitas em espaços artificiais e sem vida local.

Algumas cidades e ilhas italianas estão a começar a recuar, ainda que de forma suave.

Veneza tornou-se, na semana passada, a primeira cidade do mundo a introduzir uma taxa de entrada para os visitantes em períodos de pico, Florença proibiu novos arrendamentos de férias no centro da cidade e o parque Cinque Terre, na Riviera italiana, começou a cobrar 15 euros pelo acesso a um popular percurso pedestre costeiro para combater a sobrelotação.

Capri duplicou a sua própria taxa de visita de 2,5 euros para 5 euros, que os visitantes pagam quando apanham um ferry nas proximidades de Nápoles ou Sorrento, de Abril a Outubro.

"Estamos a tentar persuadir mais pessoas a visitarem Capri durante o Inverno", disse o presidente da Câmara de Capri, Marino Lembo, à Reuters, sentado no seu gabinete, com o smog de Nápoles a pairar ao longe.

Mas é pouco provável que essa taxa dissuada os turistas de viajar para uma ilha que tem mais de quatro milhões de fotos marcadas no Instagram, atraindo um fluxo interminável de visitantes ansiosos por adicionarem as mesmas vistas às suas páginas nas redes sociais.

Além disso, os habitantes locais afirmam que esta medida em nada contribuirá para atenuar a crise de habitação que obriga muitos trabalhadores essenciais, nomeadamente professores e médicos, a viver no continente.

Foto
REUTERS/Ciro De Luca

Turismo, economia de mercado e dúvidas

Antonio De Chiara, 22 anos, acorda todas as manhãs às 5h20 na sua cidade natal, perto de Nápoles, para conseguir apanhar o ferry das 7h, que demora 50 minutos a chegar a Capri. Cerca de 400 outros passageiros juntam-se a ele na travessia da baía.

Mal saem de Nápoles, os que têm um horário apertado começam a fazer fila nos corredores para garantir que são os primeiros a sair do barco e a apanhar um lugar num dos poucos pequenos autocarros que sobem a colina até à cidade. Os retardatários arriscam-se a uma longa espera.

"Seria óptimo viver em Capri, mas é muito difícil. Mesmo que conseguisse encontrar uma casa, a renda consumiria todo o meu salário", diz De Chiara, que arranjou recentemente um emprego como terapeuta infantil na ilha.

Stefano Busiello, 54 anos, é professor de matemática num liceu de Capri, mas vive em Nápoles e há 20 anos que se desloca de um lado para o outro. "Nunca tentei sequer encontrar uma casa aqui. Nunca pude pagar uma e as coisas estão a ficar mais difíceis."

Apenas 20% do pessoal da sua escola vive em Capri, diz ele, e todos os outros chegam nos ferries - uma rotina diária que faz com que a maioria dos seus colegas não fique mais de dois ou três anos antes de pedir transferência para escolas do continente.

Roberto Faravelli, que gere um alojamento perto do porto, diz que pessoas como ele poderiam estar dispostas a arrendar as suas propriedades a trabalhadores se a região oferecesse incentivos para colmatar a lacuna nos lucrativos arrendamentos de férias.

"O Governo tem de encorajar os proprietários a oferecerem rendas de longa duração. O que nos falta é alguém que tente resolver estes problemas.

Mas o Presidente da Câmara Marino Lembo não espera que as autoridades intervenham: "É lamentável, mas é a economia de mercado a funcionar".

Foto
rEUTERS/Ciro De Luca

Um mercado sem controlo?

A plataforma de aluguer de férias Airbnb lista mais de 500 propriedades em Capri, contra cerca de 110 em 2016. Esta é apenas a ponta do icebergue, com as famílias locais a alugarem as suas propriedades durante os meses de verão em portais não regulamentados.

"Este mercado de aluguer de curta duração é caótico. Não há controlo", afirma Lembo.

Apesar do ressentimento óbvio pela falta de habitação viável, Capri ainda não assistiu ao tipo de protestos vistos noutros locais - como as Ilhas Canárias, em Espanha, onde milhares de pessoas saíram às ruas este mês para exigir limites à chegada de turistas.

Com o fim da pandemia de Covid-19, o turismo aumentou em toda a Europa, uma vez que os viajantes de todo o mundo tentam recuperar o tempo perdido.

A Itália registou um número quase recorde de dormidas em 2023, de acordo com os dados recolhidos pelo Centro de Estudos Turísticos de Florença, e foi o quinto país mais visitado do mundo em 2023, com turistas atraídos pelas suas aldeias pitorescas e cidades ricas em cultura.

De manhã, durante a época alta, uma frota de ferries despeja até 5.000 visitantes no pequeno porto de Capri em apenas duas horas. Todos querem subir à cidade de Capri e à mais pequena Anacapri, mas os autocarros só podem transportar 30 pessoas de cada vez e o funicular 50.

"No Verão, é fácil esperar duas ou mesmo três horas para subir a colina. Os cais ficam cheios. Ninguém se consegue mexer", diz Boniello, passando vídeos no seu telemóvel de pessoas amontoadas umas contra as outras.

Lembo reconhece os problemas, mas nega que o turismo esteja a arruinar uma ilha onde os seus antepassados viveram durante séculos. "Não concordo com os nostálgicos que dizem que Capri era mais bonita há 100 anos. Nessa altura, havia miséria e pobreza. Agora há riqueza, e isso é graças ao turismo."