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Um clube de macaronis, ou como "projectar um presente que se ri de si próprio"

The Macaroni Clubperformance-encontro-jogo-queer-ao-vivo-e-a-cores concebido por The Cursed Assembly, levou personagens entre o século XVIII, o presente e o futuro ao festival DDD, no passado sábado. 

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“Estamos cansados, e no cansaço cuidamos do nosso colapso. Isto é algo que nós, queers, aprendemos. Dar as mãos e convocar a respiração umes des outras — inspirar nos vivos o que os mortos já não podem continuar. E neste momento, a nossa presença é uma presença de prazer. É assim que regressamos ao que é nosso. Nós, os efeminados, lubricamos a nossa presença para flertar com as ruínas do passado  seduzimos porque a sedução é um caminho de inspiração. Estar na presença de — esse é o nosso horizonte. Imaginar uma arte que possa dançar sobre os vestígios do que foi, e em vez de produzir ansiosamente, aguarda o reencantamento do mundo que está por vir. Inspira-o.”

Estas são algumas das frases que introduzem The Macaroni Club, performance-encontro-jogo-queer-ao-vivo-e-a-cores que ocupou, durante quatro horas, um dos salões do Clube Fenianos Portuenses no passado sábado, em mais um capítulo do DDD – Festival Dias da Dança. Com performers entre o século XVIII e o agora (e talvez o futuro), penteados e looks gongóricos, comida e bebida a condizer (sem esquecer a banca de livros curada pela Livraria Aberta), The Macaroni Club juntou personagens vestidas de cães, de musgo, de Oscar Wilde, de imperatrizes em contramão, de queers pavoneantes, que se passearam entre o público e com o público.

Concebido por The Cursed Assembly, comunidade de artistas dedicada a investigar as dimensões somáticas, sociais e sobrenaturais da historiografia, da política, do género e da magia, The Macaroni Club recriou uma reunião de macaronis, termo usado para descrever negativamente homens efeminados que davam especial atenção à beleza e à moda no século XVIII do mundo ocidental. O que é a afectação? O que é não ser autêntico? O que é não ser de confiança? Aqui, as identidades colapsam e contaminam-se, encriptam-se e desencriptam-se através do LARP ("Live Action Role Play"), um tipo de jogo orientado por personagens que existem no mundo físico (ao contrário dos videojogos), cruzando a improvisação, o cosplay, a interpretação de papéis e de histórias, a encenação de uma atmosfera que (re)mistura temporalidades.

“Quisemos pegar no LARP para imaginar algo onde ‘não há nada para ver’ porque não há esta dinâmica de olhar o outro. Todas as pessoas jogam ou desfrutam de um ambiente”, explica Odete, uma das artistas por trás de The Cursed Asssembly. “Queríamos sobretudo um lugar, mais do que um objecto. Uma insistência numa teia de relações, mais do que uma cristalização performativa. Queríamos deslizar pela tendência do público de ‘querer ver’ – porque também sentimos que há uma alteridade que queríamos recusar, ao recusar tornarmo-nos bidimensionais.”

Este projecto vem no seguimento de investigações de Odete, bem como de The Cursed Assembly, assentes numa historiografia especulativa que conspira contra a escrita hegemónica da história, cruzando questões de classe, questões da transgeneridade, questões do corpo, questões de como existir e coexistir no mundo contemporâneo sem esquecer as gerações antepassadas.

“Qualquer revisão contemporânea de termos usados como derrogatórios acaba por insinuar uma especulação sobre o presente: analisar as linhagens de palavras e de conceitos ajuda a perceber certas associações que podem ou não estar a assombrar a nossa perspectiva contemporânea. É o caso dos macaronis”, diz Odete.

“Eu tenho estado a traçar as histórias da efeminação para tentar perceber o que é o meu corpo para além das categorias identitárias a que me tentam reduzir – até porque a história da efeminidade é uma história de fuga e de recusa disso mesmo”, aprofunda a artista. “Em conjunto com o Cru [outro dos elementos do colectivo], que tem uma pesquisa dedicada à masculinidade e às suas encarnações performativas, fez sentido pegar nos macaronis para projectar um presente que se ri de si próprio.”