A menos de três meses de Paris, a natação pergunta: quem guarda os guardas?
E se um caso de doping em 2021 fosse descoberto em 2024, havendo pistas de que foi abafado pela autoridade que deveria controlar tudo? A caminho dos Jogos, adensa-se um nevoeiro de doping na natação.
“Quis custodiet ipsos custodes?” é uma frase em latim que habitualmente traduzimos como “quem guarda os guardas?” e que pode ser aplicada na natação mundial pré-Jogos Olímpicos. Imaginemos um cenário no qual a menos de três meses dos Jogos 2024 se criasse uma desconfiança da parte dos atletas nas autoridades antidoping. E se, além disso, uma das nações mais poderosas do desporto e do mundo estivesse envolvida nesse nevoeiro? E se esse nevoeiro ameaçasse uma modalidade na qual essa nação até é uma potência e sempre uma garantia de medalhas? A entrar em Maio de 2024, com Jogos em Julho, aqui estamos nós a discutir doping em nadadores chineses.
Antes de qualquer outra coisa importa esclarecer que não se trata – pelo menos até agora – de doping actual em atletas a caminho de Paris. Mas trata-se, ainda assim, de um caso de 2021 que, mesmo sem teórico impacto desportivo em 2024, mina a confiança na autoridade antidoping. Se aconteceu em 2021 e foi escondido de todos, o que garante que não acontecerá em 2024? No fundo, quis custodiet ipsos custodes?
Na semana passada, uma investigação do New York Times e da ARD contou que antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio houve 23 atletas com testes positivos a uma substância proibida. Na altura, conta a investigação, as autoridades antidoping chinesas argumentaram ter-se tratado de uma contaminação alimentar involuntária no hotel, justificação aceite pela AMA (Agência Mundial Antidopagem).
"Nenhuma fonte forneceu provas credíveis de irregularidades", assegurou a AMA, que, na altura do caso, por restrições pandémicas, nem terá conseguido enviar os seus investigadores, tendo de confiar em especialistas independentes que consultou. Na altura, terá concluído que “não conseguia refutar a possibilidade de contaminação", motivo pelo qual não existiram sanções ou sequer suspensões temporárias aos atletas – e 13 dos 23 competiram em Tóquio, com medalhas envolvidas.
O caso não foi tornado público.
Quebra de confiança
As instâncias da natação começaram a mexer-se e a AMA, pressionada por todos os lados, já pediu um relatório adicional para rever o caso – são esperadas conclusões dentro de dois meses. Thomas Bach, presidente do Comité Olímpico Internacional, também já veio dizer que o COI “tem plena confiança na AMA e nas suas regras”. “E a AMA tem cumprido as suas regras”, acrescenta.
Mas a agência antidoping norte-americana não compra a tese e já veio dizer que a AMA “varreu esses testes positivos para debaixo do tapete”. Nesta terça-feira, os Estados Unidos começaram a mexer-se um pouco mais, até porque algo muda de figura quando atletas dizem desconfiar das autoridades antidoping.
A comissão de atletas da equipa EUA e o conselho consultivo de atletas de natação dos EUA escreveram uma carta ao representante da nação no Comité Executivo da AMA na qual apontam que o parecer da autoridade, à data do caso, foi limitado e poderá não ter revelado toda a verdade.
“As decisões tomadas pela AMA, a forma como foram tomadas e a falta de transparência minaram a nossa confiança na missão declarada de “liderar um movimento mundial de colaboração para um desporto sem doping”. Como atletas, temos de confiar na AMA (…) mas o facto de não ter seguido as suas próprias regras e procedimentos na sequência dos testes positivos destes 23 atletas chineses quebrou essa confiança”, cita a BBC.
É pedida ainda a criação de uma comissão verdadeiramente independente para analisar o caso, sobretudo no âmbito de fiscalizar a actuação da própria AMA. Para a natação norte-americana, passou a ser necessário ter alguém a guardar os guardas – sobretudo se os guardas puderem estar comprometidos logo na China e comprometam também, por extensão, quem confia nos guardas chineses – a AMA.