Há trinta anos havia muita gente influente na Bairrada a mandar rezar missas pela alma da Baga. A Baga só dava duas ou três colheitas de jeito por década, a Baga era um sarilho com as chuvas de setembro, a Baga precisava de muito tempo em garrafa, a Baga estava plantada em solos errados, a Baga era adstringente ou a Baga era dura de beber e cheirava a terra e ramos secos. Donde, como ninguém a levava ao altar, muitos começaram a substitui-la por Touriga Nacional, Syrah, Touriga Francesa e outras que tais. Trinta anos passados, o que temos?
A Baga colocada num pedestal, a Baga como casta de futuro e a Baga como casta capaz de promover Portugal no exterior. De quem é a responsabilidade deste volte-face? Bom, de vários indivíduos e entidades (Comissão Vitivinícola da Bairrada incluída, com a criação da categoria Baga Bairrada para espumante), mas seguramente dos Baga Friends, que são o porta-estandarte informal do processo recuperação e devoção em curso pela Baga com a criação do Dia Internacional da Baga (sempre no primeiro sábado de Maio). Sete produtores ousaram remar contra as modas da altura e tiveram a capacidade de sonhar e sentir que uma casta mal-amada seria imprescindível para o bom gosto de consumidores esclarecidos — um caso raro em Portugal.
E é por causa disso que os amantes de grandes vinhos tintos, distintos e cheios de carácter devem programar uma viagem à Bairrada, no próximo dia 4 de Maio, para mais uma edição do evento em que os Baga Friends estão de portas abertas. Ou seja, sete produtores vão abrir as suas adegas e permitir que os interessados provem o que eles têm lá de melhor. Com 70 hectares de área de Baga plantada, esses produtores são Quinta das Bágeiras, Sidónio Sousa, Quinta da Vacariça, Quinta de Baixo — Niepoort, Vadio, Filipa Pato e Luís Pato. Entre as 10h e as 18h haverá provas de Baga e petiscos em todas as adegas, sendo que, no caso de Luís Pato — o ‘senhor Baga’ —, haverá uma venda de bifanas. No final do dia há jantar de harmonização no restaurante Rei dos Leitões.
Esta é a grande oportunidade para se provar vinhos de Baga, mas com interpretações muito peculiares por parte de cada um dos produtores. É a beleza deste projecto (tecnicamente, uma associação): perceber o carácter maleável da casta, que tanto dá tintos com raça como tintos elegantes e domados, espumantes e até, no caso de Filipa Pato, um generoso de Baga com aguardente de Baga de se lhe tirar o chapéu. Nuns vinhos sentimos mais o perfil primário da casta, noutros o trabalho do tempo ou de madeiras de estágio usadas. Nuns produtores sentimos o apelo à tradição e noutros o desejo de experimentação.
A plasticidade da casta é, de resto, o melhor trunfo que os Baga Friends têm para cativar aqueles que acham que não gostam da Baga porque fizeram a sua iniciação ao vinho com tintos doces, suaves e frutados de outras regiões. Hoje, na Bairrada, e apesar do carácter mais rude da Baga, temos vinhos de colheitas recentes com aromas e sabores cativantes. Isso é assim porque, nos últimos anos, muito trabalho se fez na vinha (parcela a parcela) e na adega. Longe vão os tempos em tínhamos de esperar quatro anos para beber um bom tinto de Baga, apesar de saber sempre muito bem beber um clássico com anos de garrafa. Clássico que, note-se, tem direito a estar entre os melhores tintos do mundo.
Esta iniciativa bairradina — que prepara o lançamento de espumante Baga Bairrada especial para 2029 — devia, de resto, ser um modelo de promoção de outras castas mais difíceis e relativamente abandonadas noutras regiões do país. Caramba, é uma receita tão simples, barata, saborosa, eficaz e fácil de copiar. Os terroiristas dos Baga Friends até batiam palmas.
O bilhete de um dia para visitar as sete adegas custa 40 euros, mas a organização tem programas específicos para quem queira dormir na Bairrada, no Grande Hotel do Luso (um bilhete e duas noites fica por 192 euros).
Um bilhete mais jantar no Rei dos Leitões, com harmonizações dos vinhos dos sete produtores custa 195 euros.