Um grande fim-de-semana em Castanheira de Pera
O leitor Mário Menezes encantou-se com as caminhadas por Castanheira de Pera e a Serra da Lousã, entre a natureza, o património e a história.
Conhecer os recantos de Portugal é sempre um enorme prazer. Já visitei quase 60 países e por cá há muitos lugares de que só há pouco soube o nome. Desta vez calhou Castanheira de Pera, onde participei num Festival de Caminhadas que vai além do efeito do verbo caminhar! É acima de tudo uma experiência turística, sensorial e gastronómica.
Este pequeno município na zona Centro é vizinho de Pedrógão Grande, pelo que recordar os incêndios de 2017 que causaram inúmeros danos, materiais e humanos, nunca é de mais. Pelo caminho podemos fazer uma paragem junto ao memorial às vítimas, obra da autoria do arquitecto Eduardo Souto Moura.
Como qualquer localidade do interior do país, Castanheira de Pera tem sofrido com os problemas relacionados com a sua localização. Hoje, o turismo é uma das actividades económicas mais importantes. No coração da vila, a praia das Rocas, uma praia artificial, com ondas, aberta de Junho a meados de Setembro, é uma das mais famosas atracções. Uma vez que a vila se encontra inserida na bacia hidrográfica do rio Zêzere, possui outros locais onde nos podemos banhar, como a praia fluvial do Poço da Corga, a cerca de 4km do seu centro.
Hoje é o turismo, outrora a indústria dos têxteis era a principal actividade económica. Na Casa do Tempo, no centro da vila, ficamos a saber que os famosos barretes que usam os campinos do Ribatejo são oriundos desta região, situando-se no concelho o único atelier do país que os produz. O tradicional barrete de Castanheira de Pera é inclusivamente candidato a património imaterial da Humanidade.
A vila encontra-se na rota das Aldeias do Xisto, com a aldeia de Mosteiro a integrar esta lista, e da Serra da Lousã. O presidente da câmara, engenheiro civil de profissão, homem da terra, é um dos responsáveis pela projecção da região no mapa do turismo nacional, e em breve internacional. Ele faz questão de receber os participantes e marcar presença nas atividades!
Castanheiros é coisa que não falta na paisagem e ao longo das caminhadas encontramos muitos. Carvalhos e pinheiros também não faltam! Quem é da cidade tem muito a aprender...
Na manhã de sábado, saímos da Biblioteca Municipal, de autocarro, em direcção a Coentral Grande, localidade situada em plena serra da Lousã, onde se deu início à caminhada da Rota dos Neveiros e Vale Silveira, cerca de 9 Km. As casas construídas de granito, com cantarias contendo inscrições seculares, são a imagem de marca dessa aldeia, o que a torna numa das povoações mais antigas do concelho. A sua fundação, segundo documentos históricos, remonta a 1135, quando Afonso Henriques a terá doado a uns fidalgos em termo de terras de Pedrógão.
O percurso seguiu por trilhos de montanha com o cenário envolvente da serra, sempre a subir até ao Poço da Neve, junto da Capela de Santo António da Neve, onde nos aguardava um abastecimento reconfortante, e uma cantora que interpretou músicas tradicionais. Um trilho com paisagens deslumbrantes, passando por alminhas, pequenos monumentos na berma de um caminho que representam em geral almas do Purgatório, frequentemente construídos em homenagem ou em memória de entes queridos, ou como cumprimento das promessas.
Fazer a Rota dos Neveiros e Vale Silveira, apesar de ser um divertimento, recorda-nos os tempos em que se trabalhava no duro. Este percurso era feito pelos neveiros, uma profissão que existiu no século XVII, quando D. Maria reinava. A neve que ali caía no Inverno era recolhida e colocada dentro daquele poço, depois de pisada por forma a ser compactada e perder o ar. Transformando-se em gelo, ficava armazenada no seu interior. Os blocos de gelo eram depois transportados para as aldeias com recurso a trabalho de animais puxando carroças. Imagine-se o trabalho que dava para que a rainha pudesse comer um gelado, numa altura em que não existiam frigoríficos e máquinas produtoras de gelo.
Após a caminhada seguiu-se o almoço tradicional junto ao Poço de Corga, que lautas refeições não faltam nestes eventos. Depois uma tarde com várias actividades junto dessa praia fluvial, isto para quem não se deixou adormecer à sombra nas margens...mas ao final da tarde lá estavam todos para comer castanhas, assadas ao borralho, acompanhadas com jeropiga.
No domingo, optei por uma caminhada mais suave, 4km pelas ruas da vila, ruas carregadas de História política dos tempos republicanos e do Estado Novo. Seguimos acompanhados por um guia que é funcionário da Câmara Municipal há quase 50 anos, que nos deu uma enorme explicação sobre as várias plantas que encontramos percorrendo a Rota Botânica de Castanheira de Pera. Liquidâmbar, ulmeiro, azevinho, falso-cipreste, magnólia, castanheiro da Índia, sabugueiro, bétula, tulipeiro, tília e até mesmo o ginkgo podem ser encontrados passeando por aquelas ruas e também pelo Jardim Bissaya Barreto, junto da Casa da Criança Rainha Dona Leonor, uma instituição criada para que as crianças ficassem ocupadas durante o horário de trabalho dos pais na indústria têxtil. Foi naquele jardim, com um chá e uma sessão de ioga, que demos esta manhã bem activa por terminada.
Seguiu-se um almoço com porco no espeto na praia das Rocas, que, apesar de encerrada ao público, estava reservada para este evento. E assim se deu por encerrado este excelente fim-de-semana, degustando medronho e beijos de peralta, um género de pudim com ovos, amêndoa ou castanha.
Castanheira de Pera já prepara a edição do Festival de Caminhadas 2024 e em Outubro receber-vos-á de braços abertos!
Mário Menezes
autor de alguns textos em Amantes de Viagens