Alentejo, a mesma melancolia e uma única eternidade

“O verde da planície vai-se transmutando numa fita alaranjada. O Alentejo parece-me igual ao de sempre, mas o Alentejo mudou”, escreve a leitora Maria Goreti Catorze. Um regresso a Évora.

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MARIA GORETI CATORZE
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O Alentejo mudou. Já não tem a carga afectiva, política ou até paisagística que teve no passado. Desapareceu o vocabulário com que nos referíamos a ele há cerca de 50 anos: o latifúndio, a seara, as ceifeiras, a reforma agrária, a luta dos trabalhadores, as unidades colectivas de produção. Esse universo perdeu-se com o tempo.

Encontramo-lo nalgumas fotografias a preto e branco como as do Rui Ochôa, do Eduardo Gageiro ou do Alfredo Cunha. Todas belíssimas. Diria que obrigatórias. As do Rui Ochôa estiveram expostas em 2023 na Sociedade Nacional de Belas Artes. As outras exposições estão a decorrer neste momento, na Cordoaria Nacional (até 5 de Maio) e na Galeria Municipal Artur Bual da Amadora (até 23 de Junho). Mas nem todos os fotógrafos são homens. A Maria Lamas fotografou as mulheres (exposição na Gulbenkian até 28 de Maio). Elas estão em força no Alentejo porque todas as ceifeiras eram mulheres. O Alentejo também está na literatura neo-realista do Manuel da Fonseca (e não só) e na memória de quem o conheceu ao vivo.

Évora, umas das suas capitais, foi elevada a património da UNESCO em 1986. A cidade perfeita está dentro duma muralha, limpa, bela, tão singela como monumental. Há auto-estrada de Lisboa para lá, mas prefiro a estrada nacional 114, uma recta que atravessa a planície. Ao longo dessa estrada vemos setas para sítios que são reminiscências do passado, nomes que têm poemas lá dentro: Alcáçovas, onde decorreu o encontro dos militares em Setembro de 1973 que esteve na origem da revolução dos cravos a 25 de Abril de 1974; Lavre, onde José Saramago viveu para escrever Levantado do Chão, o livro que foi rampa de lançamento para o futuro Nobel.

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Estive em Évora pela primeira vez numa manhã de Julho, quando pelas 7h da manhã o sol jorra directo sobre as nossas cabeças. Um homem com um rapaz dirigiu-se a nós junto ao mercado para perguntar as horas. Curiosos os recantos da memória. Há 40 anos ainda se perguntavam as horas aos transeuntes. Trouxe de lá uma cântara de barro forrada com pedacinhos de cortiça que guardo na prateleira das recordações. Não tem interesse prático porque os pedacinhos caem com o uso.

Voltei lá em Janeiro último, quando os campos verdejantes estão alagados de água. Longe do calor de Julho mas sob o mesmo céu azul e o mesmo sol directo que ilumina as paredes brancas da cal. No Alentejo, o branco da cal e o azul do céu não são uma cor, são o absoluto.

Vou visitar a Universidade, no antigo Colégio do Espírito Santo. Fica do lado de baixo da colina onde está o templo romano, baptizado durante muitos anos como templo de Diana. É pena que já não se chame assim, mas afinal não era dedicado à deusa Diana. Esta colina com o templo lembra-me uma acrópole grega.

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A universidade é a segunda mais antiga de Portugal, fundada pelo cardeal D. Henrique no colégio dos jesuítas. Tem janelas viradas para a planície e um pátio quadrangular interior tão grande como uma plaza maior. As salas de aula dispõem-se ao longo dos corredores do claustro. São forradas a azulejos azuis e brancos e conservam as velhas cátedras de madeira de há centenas de anos. A igreja jesuíta do Espírito Santo, que pertenceu ao edifício, é muito bela. Tal como a Sé Catedral, um misto de românico e gótico. Vale a pena visitar o museu da catedral, o Museu de Évora, o Paço de São Miguel, o aqueduto, o Largo das Portas de Moura, onde está o chafariz mandado construir pelo Cardeal D. Henrique, Arcebispo de Évora, e a sala de visitas que é a praça do Giraldo (tem o nome do conquistador de Évora aos mouros). Nos arredores existe um dos parques megalíticos mais importantes do mundo. Fico por aqui porque já percebemos que Évora é uma lição de história...

Deixo a cidade a meio da tarde. Vou na N114 em direcção a Montemor-o-Novo. Avisto uma fileira de casas baixas, de rés-do-chão. São brancas listadas de azul na metade inferior, tipicamente alentejanas. Na porta duma delas há um velho sentado numa cadeira quadrada de madeira, também ela alentejana. Apesar do Inverno, está uma tarde quente e luminosa. O velho olha o horizonte onde o sol se alonga lentamente. O verde da planície vai-se transmutando numa fita alaranjada. O Alentejo parece-me igual ao de sempre: a mesma vastidão, a mesma melancolia e uma única eternidade.

Maria Goreti Catorze (texto e fotos)

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