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O mar "engoliu" a praia de São Bartolomeu do Mar — e a vila mudou para sempre
A praia de São Bartolomeu do Mar, em Esposende, era um "local idílico" que atraía gente do norte do país. A subida do nível das águas do mar ditou o seu fim.
Durante a infância, as férias de Verão da fotógrafa Elisa Freitas foram passadas na praia de São Bartolomeu do Mar, no concelho de Esposende. A doce memória dos dias de sol das décadas de 1980 e 90, entre banhos de mar e jogos na areia, fê-la regressar, há cerca de cinco anos. No local onde foi feliz deparou-se “com um cenário completamente diferente” daquele que se recordava, conta a fotógrafa natural de Guimarães, de 38 anos. “A praia estava completamente despida, já não tinha areal e estava coberta de rochas.” As “casinhas” junto à primeira linha de praia “já não existiam, foram demolidas”, constatou. Ao revisitar o local, Elisa sentiu “um vazio” e, em simultâneo, “uma nostalgia tão grande”.
O que aconteceu à praia de São Bartolomeu do Mar e à pequena comunidade minhota em seu torno? Na edição especial de Março de 2024 do jornal da localidade Brisa de Mar, que existe desde 1975, o editorial dá conta da passagem de uma década desde a demolição da praia, “o local idílico que chamava gente de todo o norte do país e acolhia, nos seus casarios rústicos, muitos dos veraneantes que a procuravam por causa do iodo, a aconselhamento médico", lê-se.
“As alterações climáticas podem parecer algo distante, mas estão mesmo aqui ao lado”, observa Elisa. O que modificou radicalmente a paisagem naquela frente de mar, em Esposende, foram os fenómenos da subida do nível das águas (dois metros) e da erosão costeira. Em 2003, com o objectivo de preservar o edificado na primeira linha, a autarquia optou por intervir, substituindo o areal da praia por sacos de areia e seixos.
O mar “engoliu” a praia e, apesar dos esforços em contrário, não pôde ser travada a demolição de algumas casas. “Morreram” os pequenos negócios que dependiam do turismo, acabou o negócio de arrendamento sazonal de quartos e habitações, que tocava a quase todos e, talvez mais importante do que tudo, instalou-se “um vazio” nos corações e na identidade das pessoas que lá vivem.
Foi com recurso à fotografia de médio formato, no contexto da Masterclass da Narrativa, que Elisa Freitas desenvolveu, ao longo de cinco meses, o projecto que intitulou de Mar. Ao longo de mais de um mês, entre Dezembro de 2023 e finais de Janeiro do ano seguinte, a fotógrafa viveu em São Bartolomeu com o objectivo único de fotografar. O período que passou na companhia dos habitantes tornou Elisa “num deles”. “As pessoas até brincavam comigo e diziam que eu era a fotógrafa de São Bartolomeu”, conta, rindo.
Ao viver em São Bartolomeu, Elisa compreendeu como a pequena localidade mudou. “Antigamente, existiam alguns cafés, supermercados, mas uma grande parte fechou”, conta. “Existe, hoje, apenas uma pequena mercearia e dois cafés. “Havia também uma lojinha que vendia artigos de praia, como guarda-sóis e outros, que também fechou.”
O que Elisa considera a questão central foi o desaparecimento do negócio de arrendamento sazonal. “Quase todas as pessoas de São Bartolomeu do Mar arrendavam a casa a turistas e isso deixou de acontecer.” A dinâmica da pequena localidade alterou-se. “Mesmo a agricultura estava, ali, muito ligada ao mar. As pessoas, que mantêm muita da actividade agrícola, no passado recolhiam sargaço do mar para fertilizar a terra.” E isso deixou de acontecer.
“É quase como se uma parte delas tivesse ido embora”, observa Elisa. Uma das jovens que conheceu, Filipa, com cerca de 20 anos, “já não se recorda da praia”. “Mesmo esse vazio está a desaparecer.”
As memórias permanecem. E foi por as considerar importantes que Elisa incluiu no projecto fotografias da São Bartolomeu do passado, que encontrou no Centro Social do Mar. “Eles têm um arquivo grande que inclui fotografias da praia.” Para si, era “ponto assente” que iria incluir arquivo. Pensou incluir imagens do seu arquivo pessoal, mas, por serem demasiado centradas nas vivências familiares, optou antes por um retrato mais geral. “O meu propósito com este projecto era revelar multidão, a quantidade de pessoas que iam à praia. Eu era apenas uma delas.”
O trabalho de Elisa, que fotografa há mais de dez anos, encontra-se em exposição, no espaço Narrativa, até dia 13 de Abril, e inclui “uma colectânea de artigos que saíram no jornal Brisa de Mar”, que estará disponível para consulta pública. “Fizemos também uma edição especial do jornal para a exposição”, sublinha. O conjunto de imagens convida a um olhar demorado. O tempo é importante, dentro e fora das imagens. “Fotografar em analógico fez com que demorasse mais tempo a fotografar. Faço muita fotografia comercial, reportagens e fotografo normalmente a um ritmo mais acelerado. Este projecto obrigou-me a pensar bem cada fotografia.”