PS “aliado especial” do PSD? Não é só o PS que perde neste bromance
Ao pôr as fichas todas no PS para a governabilidade, o PSD está a aumentar a margem de crescimento do partido de Ventura e a entrar em modo de autoflagelação. Não é só o PS que perde.
As palavras de Hugo Soares, futuro líder parlamentar do PSD, que será um pivot fundamental das negociações na Assembleia da República, antecipam o que aí vem.
Em entrevistas à CNN e à SIC Notícias, na sexta-feira à noite, Hugo Soares elegeu o PS como o parceiro preferencial do novo governo. “Quero dialogar com todos os partidos, em especial com o PS”, disse Hugo Soares. Festejou o acordo alcançado com os socialistas para a eleição do presidente da Assembleia e tirou a conclusão de que “o PS veio, e bem, assumir que a legislatura deve ir até ao fim”. E, naturalmente, concluiu que, “se o Orçamento do Estado resolver os problemas das pessoas, creio que ser líder da oposição não significa ter de ser contra só por ser oposição”.
O PS fez o que devia para resolver um absurdo impasse para a eleição do presidente da Assembleia da República, de maneira a permitir que o Parlamento entrasse em funções. O total amadorismo revelado pela direcção do PSD é de bradar aos céus. Como é possível Montenegro imaginar que o seu candidato a presidente da Assembleia estava ungido só por ser da aliança que elegeu mais dois deputados do que o PS, ou porque achou que o Chega percebeu o entendimento que não se chamava acordo ou lá o que foi?
O PS fez bem em desbloquear. Era bizarro manter-se António Filipe como presidente interino até a paciência de algum partido se esgotar. Pedro Nuno Santos fez o que era institucionalmente correcto e outra coisa seria alinhar com o abandalhamento das instituições em que está empenhado o Chega (embora aceite os “tachos” de vice-presidente da Assembleia, eleito com os votos do PSD, e outros).
A ideia de que o Chega ganhou, que tem sido defendida por muitos comentadores, parece-me excessiva: há um eleitorado do Chega que não se revê naquelas cenas patéticas de Ventura e que em futuras eleições pode ser recuperado pelos “velhos” partidos, seja a AD, sejam outros, ou regressar à abstenção.
O que se tornará, efectivamente, uma vitória do Chega é se o PSD, a partir de agora, insistir no “diálogo preferencial com o PS” e o PS alinhar no abraço de urso. Dar de mão beijada ao Chega a liderança da oposição será o maior erro político que os socialistas podem vir a cometer. E desengane-se quem acha que a nova direcção do PS não irá ser pressionada, dentro do próprio partido, para viabilizar o Orçamento do Estado. A parte do PS que votou em José Luís Carneiro nunca escondeu que era essa a sua estratégia em caso de vitória da AD sem maioria. A recordação dos tempos em que Marcelo Rebelo de Sousa viabilizou os orçamentos do Governo Guterres ou do cavaquismo minoritário que até sobreviveu a uma moção de confiança tem sido agora muitas vezes repetida.
A pressão do PSD sobre o PS para a viabilização do Orçamento não é só prejudicial para os socialistas, mas também para a própria AD. Ao deixar André Ventura de “mãos livres”, não o pressionando para assumir as responsabilidades de manter em funções um governo de direita, já que é uma força política de direita (populista e radical), o PSD deixa o caminho livre às acusações do Chega de que os dois maiores partidos entendem-se sempre para o “bloco central” – o amaldiçoado bromance entre os dois partidos.
Nas próximas eleições, a AD podia tentar “secar” o Chega, roubando-lhe eleitorado, caso o Chega se revele, na Assembleia da República, uma inutilidade “para melhorar a vida dos portugueses”, como diz Hugo Soares. Ao pôr as fichas todas no PS, o PSD está a aumentar a margem de crescimento de Ventura e a entrar em modo de autoflagelação.
Nem o PS (se ceder à pressão para dar a mão ao PSD no Orçamento) nem o PSD (se não conseguir mostrar ao país que votar no Chega é votar no PS, já que o Chega afasta governos de direita do poder) estarão a fazer alguma coisa para arredar Ventura do lugar de líder da oposição. Este é o maior dos riscos para o país e, como se percebe pelo exemplo francês, não é impossível que aconteça.