Quem é Katty Xiomara, a criadora envolvida no caso dos fundos europeus?
A designer de origem venezuelana chegou a fazer parte do conselho consultivo da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal. É um dos nomes fortes do Portugal Fashion.
Katty Xiomara é uma mulher tímida que expressa as causas em que acredita naquilo que faz. A designer do Porto é uma das implicadas na operação de alegada megafraude Maestro, que tem como figura central um dos maiores empresários da indústria têxtil portuguesa, Manuel Serrão. Um dos nomes mais fortes do Portugal Fashion, quem é a criadora venezuelana que se tornou manchete no início desta semana?
No site da semana da moda do Porto diz-se que Katty Xiomara é membro do conselho consultivo da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), informação que já não se encontra na página daquele organismo. Sabe-se que Xiomara foi uma das colaboradoras do T Jornal, co-financiado pelo Compete, que se suspeita estar a ser pago pelos projectos aprovados para a Selectiva Moda ─ dirigida há 30 anos por Manuel Serrão.
Além disso, Katty Xiomara terá emitido facturação relativamente ao fornecimento de bens ou serviços à associação dirigida por Manuel Serrão “que se indica ser fictícia ou não ter correspondência com a realidade”. O PÚBLICO contactou a criadora sobre este tema, mas não obteve resposta até ao momento.
Era também Serrão que dirigia o Portugal Fashion, em 1998, quando Katty Xiomara se tornou parte do calendário da semana de moda. A jovem criadora tinha terminado o curso de Design de Moda no Citex (agora Modatex) há um ano, em 1997 ─ instituição onde actualmente é professora. Tinha 18 anos quando chegou ao Porto vinda da Venezuela, onde nasceu, em 1974, filha de pais portugueses.
Desde cedo, começou a encarar o projecto de moda de autor como um negócio, desenhando não só vestuário feminino, mas também linhas infantis ou figurinos para teatro e dança. Em 2000, por exemplo, desenhou os figurinos para a adaptação da Divina Comédia de Dante Alighieri, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Destaca-se, ainda, o conceito criativo dos novos uniformes para a McDonald’s Portugal, em 2008, para o Hotel Sheraton Porto ou os uniformes da icónica Livraria Lello.
A marca própria foi oficialmente registada em 2001, mas é a partir de 2005 que começa a ganhar outra projecção, graças à participação em desfiles e feiras internacionais, apoiada precisamente por fundos europeus. Com apoio do Portugal Fashion, levou as suas colecções a Paris, Milão e Nova Iorque, onde se apresentou entre 2013 e 2017. “Viver só com o mercado português não dá”, lamentava ao PÚBLICO em 2016, depois do desfile nos EUA.
Mais tarde, reconheceu que a estratégia aplicada nos Estados Unidos não tinha funcionado. “Tivemos algumas dificuldades com o mercado americano, porque houve uma interrupção [na ligação] com o agente que tínhamos. Estávamos a vender talvez nas lojas erradas.” Tal como já aconteceu recentemente com a falta de fundos do Portugal Fashion, a participação na Semana da Moda de Nova Iorque foi suspensa.
Seguiu-se Milão. Na capital italiana da moda, em 2019, chegou a ser patrocinada pela empresa japonesa Sanrio para desenvolver uma colecção-cápsula sobre a Hello Kitty. Pode parecer um tema trivial, mas Katty Xiomara deu-lhe uma mensagem feminista e piscou o olho ao mercado asiático, um dos seus clientes principais. “Uma mulher não precisa de ser modesta para ser respeitada, ninguém é como tu; esse é o teu poder; beleza sem inteligência é apenas decoração”, defendia.
A moda como um grito
Este lado interventivo está sempre presente no trabalho de Katty Xiomara, por vezes de forma literal. “Gosto de fazer misturas criativas, mas, desta vez, quis que o significado passasse de forma mais directa através de palavras”, explicava ao PÚBLICO, em 2023, a propósito de um desfile no Grande Hotel do Porto, onde toda a colecção foi feita apenas em vermelho, para falar de “guerra, violência, vida, morte, ódio, mas também amor”.
Tal como já tinha acontecido no passado, esta colecção teve também apoio da Associação Nacional de Segurança Rodoviária, numa alusão ao sinal de STOP. Certo é que, ao longo de mais de 20 anos de carreira, Katty Xiomara tem conseguido diversos apoios para manter um negócio que os criadores dizem ser “insustentável” em Portugal.
Mas a criadora também manteve sempre a costela social presente no seu trabalho. Em 2015, por exemplo, assinou um kit de sensibilização para o autismo em conjunto com a cooperativa de solidariedade social Focus. Também doou uma tapeçaria, em 2017, para a Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro.
Já este ano, transformou antigas burcas do Afeganistão em peças de roupa, para apelar à assinatura de uma petição da Amnistia Internacional, que pede a criminalização das acções dos taliban sobre as mulheres naquele país. “É um grito de revolta e um orgulho enorme desfazer peças impostas pelo regime para anular a mulher e convertê-las em peças femininas”, sublinhava ao PÚBLICO.
Este grito de revolta também o leva frequentemente para a passerelle, como em 2022, quando trouxe uma performance sobre o que é a loucura, desmistificando o estigma com a saúde mental ─ tema que também tinha abordado durante a pandemia de covid-19. Chegou a lançar um documentário sobre sustentabilidade e ecodesign, que se reflectiu numa nova linha de “peças multifuncionais”.
Este lado prático marca a assinatura de Katty Xiomara, que se revela simultaneamente no romantismo das rendas e das silhuetas mais femininas. É comum desdobrar-se não só rendas, mas também folhos ou bordado inglês. Destaque, ainda, para os estampados desenhados pela criadora que marcam sempre as colecções.
À parte do seu lado criativo, enfatiza sempre a importância de valorizar a fileira da moda nacional. “É preciso dar continuidade ao ecodesign e insistir na importância do design português para o desenvolvimento do sector têxtil e da moda em Portugal.”