Herman José agradeceu nesta terça-feira com humor a Medalha de Mérito Cultural recebida de um Governo "híper demissionário", considerando que "a liberdade não é oferecida" e que a situação nacional resulta apenas de "acontecimentos naturais de uma democracia funcional".
No dia em que faz 70 anos, o humorista Herman José recebeu das mãos do primeiro-ministro cessante, António Costa, a Medalha de Mérito Cultural, numa cerimónia restrita nos jardins da residência oficial, em Lisboa, e que foi marcada por muitos momentos de humor, gargalhadas e até houve direito a um bolo e aos parabéns cantados por todos os presentes.
"No mundo no estado em que está, depois de se saber as notícias que vêm da Rússia, da Ucrânia, de Israel, da Faixa de Gaza, eu acho que os nossos problemas não são problemas, são acontecimentos naturais de uma democracia funcional", respondeu aos jornalistas no final, e já com a medalha ao peito, quando questionado sobre a situação política nacional.
Herman José desdramatizou e considerou que "as eleições funcionaram, o país está jactante, as novas gerações são bonitas e fortes", assumindo-se como alguém que vê o "copo sempre meio cheio".
Recordando momentos de "grande sofrimento" na sua carreira como a suspensão do programa Humor de Perdição ou abaixo-assinados contra rubricas suas, o também actor avisou que "a liberdade não é oferecida grátis e "dá sempre trabalho e tem sempre de ser regada como um bonsai e conquistada com inteligência".
"Quanto pior é a situação mais importante é o humor", admitiu, considerando que o "humor funciona também como barómetro da saúde democrática".
Lamentando o mau sintoma da cultura ter estado arredada da última campanha eleitoral, Herman José mostrou-se optimista graças a uma produção cultural "tão viva" em Portugal nos últimos tempos.
"Mais tarde ou mais cedo as coisas vão ficar mais civilizadas no sentido em que eu acho que o Estado tinha a obrigação de derramar mais dinheiro e mais interesse para manter vivas certas artes que sem subsídio não subsistem", apelou.
Durante o discurso, o humorista disse a António Costa que estava com medo que a fita com a medalha não entrasse porque é "muito cabeçudo".
"Sou neste momento a maior cabeça do teatro português depois da morte do actor Costa Ferreira, que era o único que tinha uma cabeça de igual diâmetro: 63 de diâmetro", gracejou, ouvindo-se as gargalhadas inconfundíveis da actriz Maria Rueff.
Brincando ao dizer que nasceu com uma "humoristite aguda, que é a tendência natural para o disparate, sempre, em todas as ocasiões", Herman recordou a altura em que o programa Humor de Perdição foi cancelado e, quando "estava desolado", recebeu "um telefonema de um homem que era então Presidente da República", referindo-se a Mário Soares.
Herman recriou essa conversa e imitou a voz de Mário Soares, tendo feito o mesmo em relação a uma outra conversa com o mesmo Mário Soares a dizer-lhe que ia ser condecorado em 1992.
Segundo o humorista, a felicidade que sentiu com esta medalha que hoje recebeu das mãos de Costa teve a mesma intensidade da que sentiu em 1992.
"Sobretudo potenciado pelo facto de ser um Governo que está híper demissionário. São pessoas que daqui a uns dias já não mandam nada, nada. Têm de devolver tudo, as mobílias, as coisas. Vão para casa", ironizou.
A linha do humor seguiu com Herman a imaginar que António Costa lhe podia ligar daqui a uns meses a pedir-lhe ajuda para "descobrir o novo sítio para o aeroporto", o que mereceu os risos do ainda primeiro-ministro.
"Ou, pior ainda, ligar-me o senhor ministro das Finanças, Fernando Medina, a dizer: 'Herman José, está bom? Tenho aqui um problema, tenho aqui quatro mil milhões a mais e não sei como é que hei-de gastar isto' e depois lá tínhamos de ir de avião para Arábia Saudita ter com o Cristiano Ronaldo para pedir a Georgina emprestada durante 15 dias", brincou.
Costa diz que democracia "ganhou cor" com Herman
O primeiro-ministro cessante, António Costa, enalteceu a carreira de Herman José, considerando-o um "humorista incondicionalmente comprometido com a liberdade" e cujos programas permitiram que a democracia saísse "da televisão a preto e branco" e ganhasse cor.
Na cerimónia de atribuição da Medalha de Mérito Cultural — que decorreu esta tarde nos jardins da residência oficial do primeiro-ministro precisamente no dia em que Herman José faz 70 anos e que terminou com um bolo e os parabéns — António Costa considerou que "não por acaso" se celebra os 50 anos de carreira do humorista na mesma altura em que também a democracia portuguesa comemora o mesmo meio século de vida.
"O Governo português presta-lhe esta pública homenagem, concedendo-lhe a Medalha de Mérito Cultural, em reconhecimento do inestimável trabalho de uma vida dedicada à televisão e às artes do espectáculo, à rádio e, em especial, pelo seu trabalho pioneiro como humorista incondicionalmente comprometido com a liberdade", enalteceu António Costa.
De acordo com o primeiro-ministro, Herman José "iniciou a sua carreira de actor precisamente poucos meses depois do 25 de Abril de 1974" num espectáculo de revista chamado Uma no cravo, outra na ditadura.
Costa recordou os programas da sua autoria como o Tal Canal e Hermanias, que representaram uma "mudança histórica" e "revolucionária no tipo de humor" que se fazia em Portugal, considerando que Herman inventou "verdadeiramente o humor moderno em Portugal".
"Com Herman José a nossa democracia saiu da televisão a preto e branco, ganhou cor, riu, riu-se e fez-nos rir. Com Herman, crescemos em democracia e a democracia cresceu na sua liberdade", enfatizou.
Segundo o primeiro-ministro, "a absoluta liberdade" que Herman José levava ao horário nobre na televisão do Estado, quando ainda não havia televisões privadas, era "um verdadeiro teste da maturidade para uma democracia ainda jovem".
"O humor é vital para qualquer sociedade democrática porque põe à prova a liberdade de expressão nessa sociedade. Com Herman José aprendemos que, mesmo em democracia, fazer humor é por vezes, um acto de coragem", recordou, referindo-se ao programa Humor de Perdição que foi "abruptamente suspenso" pela RTP por causa de uma rubrica com entrevistas históricas — era então primeiro-ministro Cavaco Silva.
Costa lembrou ainda que, anos mais tarde, um sketch sobre a Última Ceia "desencadeou um abaixo-assinado de protesto com 250 mil assinaturas que só não teve consequências porque desta vez a direcção da RTP resistiu".
"A sucessão de programas televisivos de que é autor desde a década de 1980, até aos nossos dias, quase sem interrupção, faz de Herman José um caso singular de longevidade televisiva", enalteceu.
Neste momento do discurso, e arrancando risos da pequena plateia que assistiu ao momento intimista, o primeiro-ministro ainda em funções recordou personagens de Herman José cujas "frases e expressões, repetidas de episódio para episódio, entraram na fala do dia-a-dia dos portugueses", citando alguma delas como "Não havia necessidade", da personagem Diácono Remédios, ou "Este homem não é do Norte" e ainda "Onde é que estavas no 25 de Abril?".