SIBS recebe multa de 13,9 milhões por abuso de posição dominante
Autoridade da Concorrência conclui que a SIBS aproveitava posição no mercado de sistemas de pagamentos para trazer clientes para os sistemas de processamento. Empresa vai impugnar decisão.
A SIBS, empresa que disponibiliza serviços como o Multibanco ou o MB Way, abusou ao longo dos últimos três anos da sua posição dominante em Portugal no mercado dos sistemas de pagamento para forçar as entidades clientes a contratar também os seus serviços de processamento, considera a Autoridade da Concorrência (AdC), que decidiu, por isso, aplicar-lhe uma coima de 13,9 milhões de euros. A empresa diz que a decisão “não tem qualquer fundamento” e irá ser impugnada em tribunal.
Num comunicado emitido nesta terça-feira, a AdC defende que “o Grupo SIBS abusou da sua posição dominante nos mercados relativos aos sistemas de pagamento do grupo, ao condicionar o acesso a estes sistemas à obrigação de contratar também os seus serviços de processamento”. Esta prática, refere, “durou cerca de três anos, limitou a entrada e a expansão de processadores concorrentes do Grupo SIBS, que manteve quotas de mercado superiores a 90% durante todo este período nos mercados de processamento”.
O que está em causa é a prática das chamadas “vendas ligadas”, em que uma empresa com uma presença significativa num determinado mercado aproveita para garantir que fica também com esses clientes num outro mercado. Neste caso, a SIBS tem uma posição muito forte no mercado dos sistemas de pagamento, com os seus serviços Multibanco e MB Way, por exemplo, e leva as entidades que o utilizam a contratar os serviços de processamento das operações que estão associados e que poderiam eventualmente ser realizados por outras empresas que não a SIBS.
Essa prática, diz a AdC, tem o problema de restringir “a concorrência e a inovação no sector dos serviços de pagamento e prejudica quer os concorrentes do Grupo SIBS, que também actuam no processamento, quer, em última instância, os comerciantes e consumidores, que ficaram privados de serviços diferenciadores”.
SIBS critica AdC
Posição completamente diferente sobre o assunto têm os responsáveis da SIBS, que respondem ao anúncio da aplicação de multas, atacando o que dizem ser o “profundo desconhecimento” revelado pela AdC e anunciando que irão “impugnar judicialmente esta decisão junto do Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão”.
“A SIBS considera que as práticas referidas pela Autoridade são legais, que o processo não tem qualquer fundamento nem suporte jurídico ou económico, e não reconhece qualquer objectividade nas conclusões da Autoridade da Concorrência, a qual revela um profundo desconhecimento da realidade dos serviços de pagamento, a nível global e no mercado português, do sector e da actividade da SIBS”, afirma a empresa no comunicado enviado aos órgãos de comunicação social nesta terça-feira.
No comunicado, a SIBS garante ainda que “actua em rigorosa conformidade com as regras que lhe são aplicáveis no contexto dos mercados nacional e europeu de pagamentos” e assinala que “compete num mercado global, numa actividade tecnológica em que a escala é fundamental, e com concorrentes globais de dimensão múltiplas vezes superior, não sediados em Portugal”, algo que, diz, não foi considerado pela Autoridade da Concorrência na sua análise.
A empresa refere ainda que, “ao longo deste processo, a SIBS colaborou com a investigação da AdC”, tendo apresentado “diversos estudos económicos de especialistas de referência mundial que contradizem, de forma clara e objectiva, as conclusões da Autoridade”.
O valor da coima aplicada ao Grupo SIBS foi de 13.869.000 euros, um montante calculado de acordo com a gravidade da prática e determinado pelo volume de negócios das empresas nos mercados afectados. As coimas nunca podem exceder 10% do volume de negócios no ano anterior à data de adopção da decisão.
O processo agora concluído já dura há mais de três anos. Foi instaurado oficiosamente em Novembro de 2020, tendo um dos seus momentos cruciais no início de 2021, data em que a AdC realizou diligências de busca e apreensão nas instalações do Grupo SIBS, detido pelos maiores bancos a operar no mercado portugueses, com destaque para a Caixa Geral de Depósitos, o Millennium BCP, o Banco Santander Totta e o Banco BPI.
"Um dos mais subdesenvolvidos da UE”
A Associação Nacional de Instituições de Pagamento e Moeda Electrónica (ANIPE) não renega a importância da SIBS para o tecido económico, mas também se mostra muito crítica quanto à sua actuação, em sintonia posições assumidas no passado. Assim, diz a estrutura associativa que “a sua orientação estratégica tem contribuído de forma significativa para que o mercado de pagamentos português seja, actualmente, um dos mais subdesenvolvidos da UE, apresentando um dos menores números de empresas a operar, e uma posição que nos coloca na cauda da Europa a nível de geração de riqueza, emprego e inovação, devido a problemas essencialmente concorrenciais e regulatórios, mas também de acesso a capital”.
É assim que a ANIPE reage à decisão da AdC de multar a sociedade interbancária, gestora da rede Multibanco, destacando, em comunicado, que o mais relevante que se pode retirar “não é a multa, já que ela não vai resolver nenhum dos problemas estruturais do nosso mercado, mas antes as medidas correctivas (remedies) que visam corrigir a condutas monopolísticas e promover a diversificação e crescimento do mercado com benefícios para consumidores e comerciantes”.
Salvaguardando que à hora de publicação do comunicado ainda não tinha acesso ao acórdão ou despacho de condenação, pelo que se pronunciava somente com base na informação disponibilizada no site da AdC, a associação destaca o facto de existir “uma segunda determinação do Banco de Portugal que visa corrigir este incumprimento regulatório específico, impondo medidas para passar a evitar estas práticas de posição dominante a partir de Dezembro de 2024, [o que] denota que o próprio regulador reconhece o ilícito e o tenta mitigar, dificultando muito a reversão deste desfecho por parte do Grupo SIBS e uma eventual presunção de inocência”.
De acordo com a ANIPE, os problemas vão para além das vendas associadas. “Não é só o tie-in com obrigação de contratar o processamento no acesso ao sistema de pagamentos Multibanco (scheme), mas também a falta de requisitos e condições de acesso ao scheme que permitam um acesso transparente, equilibrado e não discriminatório, que tem bloqueado o acesso directo a entidades não relacionadas, tanto nacionais como internacionais”, lê-se no comunicado.
Destacando que é própria AdC que considera que “houve por parte do grupo SIBS uma violação continuada da Interchange Fee Regulation ou Regulamento UE 751/2015, que existe há 9 anos, não se conhecendo nenhuma entidade não relacionada que consiga processar a marca de cartões Multibanco e qualquer outra marca internacional (VISA, MC, Union Pay) separadamente durante este período”, as instituições de pagamento dizem não entender como é que, ao fim destes nove anos, “a liberalização existente no mercado energético e das telecomunicações nacionais não tenha chegado ao mercado dos pagamentos, ao arrepio da legislação portuguesa e europeia e do bom funcionamento concorrencial, existindo uma concentração da quota de mercado superior a 90%”.
A ANIPE destaca ainda que para além da AdC existem “dois intervenientes cujo aparente silêncio é pouco compreensível: o Banco de Portugal e os accionistas da SIBS”, acrescentando que o regulador bancário “não supervisionou de forma correcta o cumprimento dum Regulamento europeu, de aplicação directa, e que data de 2015”.
“A reacção tardia [do BdP] foi minimalista, tendo deixado à SIBS o poder de decisão sobre aspectos importantes da sua prática comercial, permitindo soluções que não são do interesse comum, que protegem o infractor e pervertem o bom funcionamento de mercado (Pagamentos ao Estado, Referências Multibanco, MB Way)”, refere o comunicado, onde se questiona como vai reagir o supervisor às irregularidades apontadas à empresa.
Entre outras, a associação questiona se “a SIBS tem condições para continuar a ser a entidade que auxilia o BdP na estratégia de distribuição e operacionalização do Euro Digital e também para gerir a câmara de compensação de todos os pagamentos de pessoas e empresas em Portugal”. Com Rosa Soares