Há cada vez mais chinesas a optarem ser solteiras devido às dificuldades económicas

Na China, um número crescente de mulheres instruídas, que enfrentam uma insegurança sem precedentes, num contexto de desemprego jovem recorde e de recessão económica, optam por ficar solteiras.

Foto
Um grupo de amigos num clube de karaoke em Xangai Nir Elias
Ouça este artigo
00:00
05:51

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A redactora freelancer Chai Wanrou pensa que o casamento é uma instituição injusta. Como muitas mulheres jovens na China, ela faz parte de um movimento crescente que prevê um futuro sem marido e sem filhos, colocando o governo perante um desafio que poderia dispensar.

"Independentemente de se ser extremamente bem-sucedida ou apenas comum, as mulheres continuam a fazer os maiores sacrifícios em casa", diz a feminista de 28 anos num café na cidade de Xian, no noroeste do país.

"Muitos dos que se casaram nas gerações anteriores, especialmente as mulheres, sacrificaram-se a si próprias e ao desenvolvimento das suas carreiras e não tiveram a vida feliz que lhes foi prometida. Viver bem a minha própria vida já é bastante difícil hoje em dia", continua.

No ano passado, o Presidente Xi Jinping sublinhou a necessidade de "cultivar uma nova cultura do casamento e da maternidade", uma vez que a população da China diminuiu pelo segundo ano consecutivo e os novos nascimentos atingiram mínimos históricos.

O primeiro-ministro chinês, Li Qiang, também prometeu "trabalhar para uma sociedade favorável à natalidade" e aumentar os serviços de cuidados infantis no relatório de trabalho do governo deste ano.

O Partido Comunista considera a família nuclear como o alicerce da estabilidade social, sendo as mães solteiras estigmatizadas e, em grande parte, privadas de benefícios. Mas um número crescente de mulheres instruídas, que enfrentam uma insegurança sem precedentes, num contexto de desemprego juvenil recorde e de recessão económica, optam pelo "solteirismo".

De acordo com dados oficiais, a população solteira da China com mais de 15 anos atingiu um recorde de 239 milhões em 2021. Os registos de casamentos recuperaram ligeiramente no ano passado devido a uma acumulação pandémica, depois de terem atingido mínimos históricos em 2022. Um inquérito da Liga da Juventude Comunista de 2021 a cerca de 2900 jovens urbanos solteiros revelou que 44% das mulheres não tencionam casar.

No entanto, o casamento ainda é considerado um marco da idade adulta na China e a proporção de adultos que nunca se casam continua a ser baixa. Mas, num outro sinal do declínio da sua popularidade, muitos chineses estão a adiar o casamento, com a idade média do primeiro casamento a subir para 28,67 anos em 2020, contra 24,89 anos em 2010, de acordo com os dados do censo.

Em Xangai, no ano passado, este número atingiu 30,6 para os homens e 29,2 para as mulheres, de acordo com as estatísticas da cidade.

"O activismo feminista não é basicamente permitido (na China), mas a recusa do casamento e do parto pode ser considerada (...) uma forma de desobediência não violenta em relação ao Estado patriarcal", interpreta Lü Pin, uma activista feminista chinesa radicada nos Estados Unidos.

Sem desculpas

Depois de décadas a melhorar os níveis de educação das mulheres, a participação na força de trabalho e a mobilidade social, as autoridades chinesas enfrentam agora um dilema, uma vez que o mesmo grupo de mulheres se tornou cada vez mais resistente à sua propaganda.

Os estilos de vida dos solteiros de longa duração estão a generalizar-se gradualmente na China, dando origem a comunidades online de mulheres, na sua maioria solteiras, que procuram a solidariedade de pessoas que partilham a mesma opinião.

As publicações com as hashtags "Sem casamento, sem filhos" de influenciadoras frequentemente na casa dos 30 ou 40 anos no Xiaohongshu, o Instagram da China, ganham regularmente milhares de gostos.

Um fórum anti-casamento no Douban, outra plataforma de redes sociais, tem 9200 membros, enquanto outro dedicado ao "solteirismo" tem 3600 membros que discutem planos de reforma colectiva, entre outros tópicos.

Liao Yueyi, uma licenciada desempregada de 24 anos da cidade de Nanning, no sul do país, declarou recentemente à sua mãe que "acorda com pesadelos sobre ter filhos". E publicou no WeChat: "Não casar nem ter filhos é uma decisão que tomei depois de uma profunda reflexão. Não devo desculpas a ninguém, os meus pais aceitaram-na."

Em vez disso, decidiu "ficar deitada" — uma expressão chinesa que significa fazer apenas o suficiente para sobreviver — e poupar dinheiro para futuras viagens. "Penso que não há problema em namorar ou coabitar, mas os filhos são um enorme investimento de activos com retornos mínimos", justifica, acrescentando que já discutiu o arrendamento de uma casa com algumas amigas quando todas se reformarem.

Muitas das mulheres entrevistadas citaram o desejo de auto-exploração, a desilusão com a dinâmica patriarcal da família chinesa e a falta de parceiros masculinos "esclarecidos" como os principais factores por detrás da sua decisão de permanecerem solteiras e sem filhos.

A igualdade dos géneros também desempenha um papel importante: todas as mulheres afirmaram que era difícil encontrar um homem que valorizasse a sua autonomia e acreditasse na divisão igualitária do trabalho doméstico.

"Há um excesso de mulheres com formação superior e um número insuficiente de homens com formação superior", afirma Xiaoling Shu, professor de sociologia na Universidade da Califórnia, em Davis. De acordo com dados oficiais, décadas de política do filho único levaram a que, em 2022, haja mais 32,3 milhões de homens do que mulheres.

"As mulheres com formação académica tornam-se mais convictas na defesa dos seus direitos e do seu estatuto na sociedade", afirma Shu. "As mulheres com um bom nível de educação que procuram parceiros que as apoiem na vida encontram menos homens adequados que também apoiem os direitos das mulheres."

Apesar de nem todas as mulheres entrevistadas se identificarem como feministas ou se considerarem deliberadamente desafiadoras do governo, as suas acções reflectem uma tendência mais ampla de emancipação feminina expressa através de escolhas pessoais.

E apesar de alguns analistas acreditarem que, no futuro, o número de pessoas que permanecem solteiras para o resto da vida não irá crescer exponencialmente, os casamentos tardios e a queda da fertilidade são susceptíveis de representar uma ameaça para os objectivos demográficos da China.

"A longo prazo, o entusiasmo das mulheres pelo casamento e pelo parto continuará a diminuir", afirma a feminista Lü. "Acredito que esta é a crise mais importante que a China enfrentará a longo prazo."