As duas estrelas do Antiqvvm apoiam-se numa equipa jovem que trabalha como “um relógio suíço”
Na gala Michelin, a estrela maior foi Vítor Matos: 2* para o Porto e o Antiqvvm, 1* para o seu 2Monkeys. E ainda assina a carta do Blind, de onde saiu a distinção Jovem Chef 2024 para Rita Magro.
Quando, no final da gala da semana passada, em Albufeira, o director dos Guia Michelin, Gwendal Poullennec, disse que antes da despedida queria anunciar um novo restaurante com duas estrelas, a surpresa foi total. Tal como a generalidade da plateia, até Vítor Matos, o chef contemplado, estaria mais à espera do eventual anúncio de um primeiro três estrelas do que ver cair a segunda para o seu Antiqvvm, no Porto.
Então já alvo de todas as atenções por ter visto premiados mais dois restaurantes com a sua assinatura — o 2Monkeys, em Lisboa, com uma estrela, e o Blind, no Porto, com a distinção de Jovem Chef 2024 para Rita Magro —, Vítor Matos sagrava-se como o grande protagonista desta edição do famoso guia vermelho, pela primeira vez em mais de um século exclusiva para Portugal.
Por essa altura, o chef estaria até já mais a pensar nos seus dois novos restaurantes que projecta ver distinguidos na gala do próximo ano do que propriamente na consagração com a segunda estrela. Não que constituísse uma absoluta surpresa, mas sobretudo porque nem costuma chegar tão cedo e também as expectativas apontavam antes para essa ansiada e inédita terceira estrela para Portugal.
Na verdade, a equipa do Antiqvvm até já o tinha vaticinado, mas o chef não acreditava que fosse para já. “Não é um brinde nem foi sorte. Neste último ano trabalhámos de forma muito consistente e isso notava-se pelos clientes. Depois da primeira estrela todos os clientes são inspectores e pelas críticas e comentários consegue-se medir a satisfação. Foi um ano muito regular em que trabalhámos muito bem, com mais de quatro meses consecutivos sempre lotados”, explica o chef à Fugas, complementando com rasgados elogios ao desempenho da jovem equipa.
A conversa tem lugar três dias depois da gala, e o orgulho e entusiasmo estão ainda bem vivos. “É um grupo jovem, mas com grande empenho e cumplicidade e tudo isto tem a mão do Tiago, que estabilizou a equipa e a tem sabido manter firme e motivada”, enaltece o chef, que quando subiu ao palco em Albufeira não poupou nos elogios ao trabalho seu chef na cozinha do Antiqvvm.
O que poucos suspeitariam é que se tratava de uma equipa tão jovem e tão diversificada nas origens. Tiago Dias, o líder, conta apenas 26 anos, e o resto da equipa oscila entre os 20 e 29, congregando sete nacionalidades. O mais velho é o venezuelano César, seguindo-se a colombiana Laura, a argentina Vicky (de Vitória), os portugueses Elisa, Pedro e Tiago, os brasileiros Chrystiana e Heitor, Valdo, que veio de São Tomé e Príncipe, e Lila, que veio da Geórgia para completar o 12.º ano e fazer a formação na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto. A mais nova é Ana, 17 anos, que faz o estágio curricular da Escola Profissional de Gaia.
“A grande dificuldade tem sido manter as equipas, mas o Tiago conseguiu unir um grupo que trabalha e convive em conjunto. Parece um relógio suíço, que trabalha com rigor e consistência e nos últimos meses tem trabalhado sem sequer recorrer a hora extra”, elogia Vítor Matos, que destaca também a riqueza da multiculturalidade. “Não é por acaso que a carta actual se chama 'Volta ao mundo' e a próxima deverá ser a 'Rosa das especiarias', há culturas e sensibilidades dentro da cozinha e isso é sempre enriquecedor”, reconhece o cozinheiro do momento.
Maior delicadeza e equilíbrio de sabores
Quanto às razões que poderão estar por detrás do reconhecimento, Vítor Matos reconhece que no último ano houve um foco maior na procura do equilíbrio, definição e delicadeza de sabores. “Às vezes perdíamo-nos um bocado nos pratos, procuramos mais harmonia e elegância, nada que se pudesse sobrepor ou anular sabores. Por vezes é preciso dar um passo atrás para depois avançar dois. Fomos criando maior equilíbrio de sabores, pratos mais delicados, cozinhamos menos os peixes e mariscos, maior aposta nos vegetais, mais harmonia e elegância, e agora temos só um prato de carne na carta.” Com isso, a equipa concluiu que “também relaxou o ambiente, os clientes estão mais sossegados”, o que representa acréscimo de prazer e satisfação.
O chef explica que foi no início do ano passado que, em conjunto com Tiago Dias, definiu o objectivo das duas estrelas. Era preciso determinar aquilo que a equipa conseguia produzir com muita consistência, fazer igual todos os dias, tentar não ser tão arrojado, apostar no produto e na profundidade dos sabores. “Há também muita mão do Tiago. Conseguiu estabilizar a equipa, agora cozinhamos o peixe inteiro para concentrar e intensificar sabores, só depois é que cortamos e o prato só sai se estiver mesmo perfeito. A produção está sistematizada e é o cliente que espera pelo prato, o salmonete cozinha durante três minutos, sai tudo com fluência e continuidade”, orgulha-se Vítor Matos.
A confiança da equipa era tanta que em Novembro, no aniversário do chef, lhe ofereceram um cubo com uma foto de conjunto, garantindo que aquela era apenas uma primeira prenda. “A outra vinha em Fevereiro e era a segunda estrela. Estávamos confiantes e ainda há dias tinha dito ao chef que era isso que ia acontecer, mas ele não queria acreditar em nós”, diz com orgulho provocador Tiago Dias, o jovem com quem Vítor Matos faz questão de partilhar os louros da conquista desta segunda estrela do mais famoso guia gastronómico.