Gala Michelin em Portugal com mais olhos do que barriga. Mas há novo duas estrelas: Antiqvvm do Porto
Algarve recebeu a primeira Gala Michelin dedicada a Portugal. Não houve chuva de estrelas, mas há novidades: quatro novos 1 estrela e um novo 2 estrelas, Antiqvvm de Vítor Matos, vencedor da noite.
A expectativa era enorme, mas foi preciso esperar até aos momentos finais da Gala Michelin, na noite desta terça-feira — a primeira gala de um guia exclusivamente português —, para ter o veredicto: Portugal não conquistou a tão ambicionada terceira estrela. Mas há novidades e um grande vencedor, Vítor Matos, que não só tem o novo 2 estrelas de Portugal, o Antiqvvm, no Porto, como viu outros dois projectos seus distinguidos, já que o 2Monkeys (Lisboa) conquistou uma estrela e o Blind (Porto) teve a sua jovem chef premiada e está na lista dos recomendados. Todos os outros restaurantes com duas estrelas mantêm a distinção — Portugal passa assim a ter oito nesta categoria e 31 com uma estrela.
Outro dos grandes vencedores da noite, e claramente um homem feliz, foi Rodrigo Castelo, chef do restaurante Ó Balcão (Santarém), que conquistou uma estrela Michelin e uma Estrela Verde. “Ambicionava muito”, admitiu, prometendo “melhorar todos os dias com humildade” e lançando um “viva o Ribatejo!”.
Igualmente feliz estava João Sá, que viu o seu Sála (Lisboa) conquistar a primeira estrela. Descreveu-o como um restaurante “independente, pequenino, mas que foi ambicioso” e contou como tinha dito à sua equipa que, se queriam conquistar uma estrela, teriam de o fazer divertindo-se e “sem stress nem obsessões”.
Os outros novos uma estrela são o 2Monkeys, que Vítor Matos partilha com Francisco Quintas, e o Desarma, de Octávio Freitas (Funchal), que disse no palco querer provar que “não é preciso sair da Madeira” para fazer boa gastronomia com bons produtos.
Três restaurantes perderam a estrela: Vistas, cujo chef, Rui Silvestre, saiu recentemente do projecto e é o novo chef do Fifty Seconds na Torre Vasco da Gama em Lisboa; o Largo do Paço da Casa da Calçada, em Amarante, que está fechado para remodelação; e o Eneko Lisboa, que fechou portas em Janeiro.
Já antes das estrelas maiores, o palco tinha mudado de cor (para verde, claro) para o anúncio das distinções para os restaurantes que têm “uma abordagem mais sustentável”. As novas Estrelas Verdes de Portugal são o restaurante da Malhadinha Nova, de João Sousa (Albernoa), além do Ó Balcão de Rodrigo Castelo – “a nossa sustentabilidade parte daquilo que temos aos nossos pés”, disse o chef, agradecendo a distinção.
Quanto aos novos Bib Gourmand (restaurantes que têm uma boa relação qualidade-preço, até 45 euros) são oito e trazem muitas novidades: Flora, de João Guedes Ferreira (Viseu); Inato Bistrô, de Tiago Costa e Miguel Rodrigues (Braga), Norma, de Hugo Alves (Guimarães); O Pastus, de Annakaren Fuentes (Paço de Arcos), cujo chef fundador, e marido de Annakaren Fuentes, Hugo Dias de Castro, morreu em Dezembro, aos 34 anos; Olaias, de Mónica Gomes (Figueira da Foz); Oma, de Luís Moreira (Baião); Pátio 44, de Simão Soares e Afonso Ramos (Porto); e Poda, de João Narigueta (Montemor-o-Novo)
No final, profundamente comovida, Annakaren Fuentes agradeceu e falou de Hugo: “Ele era o chef e o rosto do restaurante”, um espaço que os dois sonharam em conjunto “para que ele pudesse cometer as loucuras gastronómicas que só ele sabia cometer”.
21 restaurantes recomendados por todo o país
O Guia 2024 destaca ainda na secção Recomendados uma grande diversidade de restaurantes de norte a sul do país (talvez com ligeira vantagem para o Norte, mas também uma boa presença do Algarve, a contrastar com algum vazio na zona do Alentejo): Apego, de Aurora Goy (Porto), BAHR Nuno Dinis (Lisboa), Blind, de Rita Magro (Porto), Bomfim 1896 with Pedro Lemos, de Gonçalo Pinto (Pinhão), Casa do Gadanha, de Ruben Trindade Santos (Estremoz), Cavalariça, de Bruno Caseiro (Comporta), Downunder by Justin Jennings (Lisboa), que “usa diferentes tipos de carne, entre os quais o canguru ou o crocodilo”.
A lista de Recomendados prossegue com Fago, de José Diogo Branco (Marvão), Fauno, de Tiago Amorim (Porto), Gastro by Elemento, de Ricardo Dias Ferreira (Porto), Horta, de Santiago Agnolles (Funchal), Lamelas, de Ana Moura (Porto Covo), MA de Ricardo Casqueiro (Coimbra), Noélia, de Noélia Jerónimo (Cabanas de Tavira), que recebeu uma enorme salva de palmas (Catarina Furtado sugeriu mesmo que Noélia se candidatasse a Presidente da República, dada a sua indiscutível popularidade).
Ainda na categoria Recomendados, os inspectores da Michelin reconheceram a qualidade de Numa, de Nuno Martins (Portimão), O Palco, de Marco Almeida (Coimbra), Quinta do Tedo Família Geadas de Óscar Martins Gomes (Folgosa), Seiva, de David Jesus (Leça da Palmeira), Sem, de Lara Prado e George Mcleod (Lisboa), Sem Porta, de Tiago Maio (Muda), e Vinha, de Henrique Sá Pessoa e Jonathan Seiller (Vila Nova de Gaia).
Pela primeira vez para Portugal foram atribuídos prémios especiais. O Prémio Jovem Chef distinguiu Rita Magro, do Blind (Porto), onde trabalha com o chef Vítor Matos. Leonel Nunes, do Il Gallo d’Oro (Funchal), foi considerado o melhor sommelier e, ao subir ao palco, confessou não estar à espera da distinção. O prémio para o melhor serviço de sala foi entregue a Pedro Marques, do The Yeatman (Vila Nova de Gaia), outro vencedor que “não estava à espera” e confessou estar “um bocadinho nervoso, mas muito contente”.
Michelin, uma aposta turística para Portugal
A sala de congressos do NAU Salgados Palace & Congress Center, em Albufeira, encheu-se de chefs, proprietários de restaurantes e jornalistas gastronómicos, entre os 500 convidados para a cerimónia apresentada por Catarina Furtado e à qual se seguiu o jantar preparado por um grupo de sete chefs do Algarve. A coordenação do jantar foi confiada a Dieter Koschina (Vila Joya) e João Oliveira (Vista), à frente de um grupo composto por Hans Neuner (Ocean), José Lopes (Bon Bon), Libório Buonocore (Gusto by Heinz Beck), Louis Anjos (Al Sud) e Luís Brito (A Ver Tavira).
Até 2024 existia um guia conjunto Espanha & Portugal e ter um guia português era desde há muito uma ambição do mundo da restauração nacional, finalmente concretizada. O Turismo de Portugal investiu neste projecto um valor que ronda os 400 mil euros e o Turismo do Algarve, a região anfitriã da gala, teve uma participação de cerca de 50 mil euros.
O objectivo, confirmado por ambas as instituições, é conseguir uma maior promoção do país através da gastronomia — para isso, foram convidados mais de duas dezenas de jornalistas estrangeiros que estão a participar em visitas no Algarve e noutras zonas do país, e também alguns chefs internacionais, entre os quais, os triplamente estrelados Quique Dacosta, que tem um restaurante com o seu nome em Dénia, Espanha, e a chef francesa Dominique Crenn, que tem em São Francisco, nos Estados Unidos, o Atelier Crenn.
O director internacional dos Guias Michelin, Gwendal Poullennec, afirmou na abertura que a realização da gala em Portugal reflecte “o desejo [da Michelin] de dar a Portugal e à sua gastronomia um momento de celebração e exposição” e referiu que o cenário da gastronomia portuguesa “se tem desenvolvido e elevado o nível”, estando a atravessar um “período de desenvolvimento, diversificação e prosperidade”.
Para o ministro da Economia e do Mar, António Costa e Silva, a Gala Michelin é “um passo absolutamente extraordinário que o país está a fazer na viagem para colocar Portugal como um dos grandes destinos de excelência do turismo mundial”. No seu discurso, no início da cerimónia, criticou “os detractores que tentam diminuir a importância do turismo para a economia nacional” e destacou números, entre os quais, o de 30 milhões de visitantes em 2023, o que “nunca tinha acontecido antes na história”. A aposta na gastronomia, disse, é uma forma de “exponenciar a marca Portugal”.