Atacar a CNE é um jogo de imitação
Num instante, banalidades ganham peso e tornam-se factos (ou será fardos?) políticos. E a imprensa, ao rimo das redes sociais e sempre à espera do próximo soundbite, ajuda nessa amplificação.
Em todos os actos eleitorais, de há muitos anos a esta parte, a Comissão Nacional de Eleições é o repositório de milhares de queixas e de pedidos de esclarecimento de cidadãos e partidos políticos. Em 2022, o PÚBLICO escreveu que a campanha e as eleições motivaram quase 5600 reclamações e pedidos de informação ou de parecer, na sequência dos quais foram abertos 170 processos por alegadas irregularidades — e dez deles tiveram como destino o Ministério Público.
Numa altura em que a sensibilidade às injustiças está no seu auge, não é novidade que haja um partido a queixar-se de outro. No caso que marcou os últimos dias, o líder do Chega tomou à letra uma infeliz publicação numa rede social em que um militante do Bloco de Esquerda indicado para uma mesa eleitoral no estrangeiro dizia que ia anular os votos da AD e do Chega, e tirou a conclusão radical: "Está em curso uma tentativa de desvirtuar estas eleições.” Com uma só frase, jogou provavelmente a única cartada que faltava na sua cartilha populista, levantando dúvidas sobre a seriedade do processo eleitoral.
O autor da mensagem na rede social X (antigo Twitter) acabou por ser afastado do serviço que era suposto prestar, sem hipótese alguma de interferir na contagem de votos, e a mensagem foi apagada. Mas não deixou de ser um episódio lamentável de alguém que quis fazer humor com coisas sérias, sem perceber as implicações da sua graçola. Convenhamos: é assim que funcionam as redes sociais quando se partilham ideias que deviam ficar apenas na cabeça de quem as pensa.
Num instante, banalidades ganham peso e tornam-se factos (ou será fardos?) políticos. E a imprensa, seguindo ao ritmo das redes sociais e sempre à espera do próximo soundbite, ajuda nessa amplificação, tantas vezes irrealista ou surrealista e de consequências imprevisíveis (sim, esta também é uma autocrítica).
É impossível assistir às queixas do Chega, várias vezes consideradas "sem fundamento" pela CNE, e não recordar como se comportaram Donald Trump ou Jair Bolsonaro nos seus países mesmo antes de irem a votos pela segunda vez. O antigo Presidente do Brasil chegou a dizer que certamente pretendia reconhecer e respeitar o resultado das presidenciais de 2022, com uma condição: “Desde que as eleições sejam limpas e transparentes”, disse. E mais não fez do que imitar Trump.
Esta é a única parte que interessa amplificar do triste jogo de imitação que pôs a CNE debaixo de fogo ainda antes da contagem dos votos.