Na abordagem aos jogos grandes, o Benfica tem entrado com o pé esquerdo
Nos 12 jogos mais difíceis desta época, entre Champions e duelos com Sporting e FC Porto, as “águias” foram quase sempre superadas – por vezes de forma muito clara. E as primeiras partes não ajudam.
Entre factores estratégicos, tácticos e individuais, o Benfica tem-se desdobrado em equívocos nesta temporada, como ficou expresso na goleada sofrida anteontem, no Estádio do Dragão, frente ao FC Porto (5-0). Os mais ponderados dirão que a equipa continua na Europa, está viva na Taça e tem a Liga perfeitamente ao alcance — e têm razão. O que tem parecido claro é que mais do que incapacidade de fazerem pontos, os “encarnados” têm sentido, sim, incapacidade de serem fortes em jogos “a doer”. A equipa não só venceu apenas quatro dos 12 jogos mais duros como levou “amasso” em alguns — Real Sociedad, largas partes de jogos com Salzburgo e Inter Milão, Sporting e FC Porto.
Por jogos “duros” definamos os duelos frente aos “grandes” em Portugal e as partidas da Liga dos Campeões. Como métricas consideremos posse de bola, remates, oportunidades claras de golo e passes no terço de campo adversário.
A conclusão é relativamente fácil: o Benfica parece preparar mal as partidas. A falta de sagacidade estratégica de Roger Schmidt tem sido tema de conversa e pode ser suportada por alguns dados estatísticos relativamente às primeiras partes dos jogos.
Na posse de bola o Benfica até conseguiu superar-se em alguns arranques de partida. A análise mostra, porém, que quando isso acontece é de forma residual, mas, quando é superado, é de forma esmagadora — como sucedeu com Real Sociedad, duas vezes, Sporting, outras duas, e uma vez com Inter e FC Porto.
Em remates e oportunidades claras de golo é rara a ocasião em que o Benfica encara a primeira parte dos jogos como momento para se superiorizar e chegou até a ser trucidado em alguns destes jogos — uma vez com a Real Sociedad, uma com o FC Porto, uma com o Sporting e uma com o Salzburgo.
Em matéria de passes no terço de campo adversário durante a primeira parte os dados também são claros: se excluirmos os jogos com o Inter, uma equipa cujo processo de jogo permite “oferecer” a bola e ter uma defesa baixa, o Benfica só duas vezes superou o adversário nesta métrica.
Estes dados permitem atestar que a abordagem estratégica aos jogos não tem sido feliz, com a excepção do embate frente ao Inter, no Estádio da Luz, no qual um 3-0 na primeira parte deu, depois, um “festival” do Inter na segunda, num 3-3 que poderia ter sido bem pior. E mesmo nessa primeira parte, com 3-0, houve estatísticas bastante repartidas.
Pressão desorganizada
No prisma mais subjectivo parece haver alguns factores importantes, que se notam bastante mais em jogos contra adversários mais fortes, já que contra equipas “fechadas” na I Liga torna-se mais fácil mascarar a forma deficiente como a equipa tem encarado os momentos sem bola.
A pressão do Benfica tem sido feita de forma anárquica, com a linha mais ofensiva bem distante da linha média — ou, noutros casos, as duas primeiras linhas a deixarem espaço à frente da defensiva. Em qualquer dos casos, há espaço entre linhas e isso tem dado aos adversários facilidades para tirarem a bola de zonas congestionadas e baterem a pressão “encarnada” com dois ou três passes.
Neste domínio haverá a ter em conta um lado colectivo de mau trabalho, mas também de inadequação dos jogadores a um preceito estratégico pré-definido por Roger Schmidt e imutável desde a época passada.
De uma temporada para a outra, a ideia de Schmidt passou de Florentino, Enzo, Aursnes, Rafa, Neres e Gonçalo Ramos para João Neves, Kokçu, João Mário, Rafa, Di María e Arthur (ou Neres). No fundo, estamos a falar de querer uma pressão alta tendo passado de quatro jogadores fortes sem bola (Florentino, Enzo, Aursnes e Ramos) para apenas um (Neves).
No caso de Enzo e Ramos foram contratados Kokçu e Arthur, jogadores que nunca teriam esses preceitos sem bola. No caso de Florentino e Aursnes trata-se de mera opção técnica do treinador alemão.
Com dificuldades para recuperações de bola em zona adiantada ou apenas para ser forte em momentos de transição defensiva, o Benfica tem sofrido. E a forma como se organiza — e os jogadores que utiliza — adensam a má preparação estratégica para jogos em que fica mais exposto.