De pequenino se previne a obesidade

É muito difícil tratar a obesidade, mesmo a pediátrica. O lema deve ser a prevenção precoce, com total responsabilidade informada dos pais. Nesta data, assinala-se o Dia Mundial da Obesidade.

Foto
Towfiqu barbhuiya/pexels
Ouça este artigo
00:00
06:27

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Em 4% a 10% dos casos, a obesidade em idade pediátrica pode depender da alteração de um gene (causa monogénica), em 2% a 3% dos casos pode estar associada a alterações dos nossos cromossomas integrando um síndrome, em 2% a 4% dos casos pode ser secundária (a doença hormonal, neurológica, a fármacos...), mas em cerca de 95% dos casos é comportamental. É desta que hoje vamos falar.

Numa perspectiva mundial e considerando os últimos 40 anos, a obesidade pediátrica aumentou mais de dez vezes, estimando-se que em 2050 mais de 25% das crianças e adolescentes até aos 15 anos serão obesos. A pandemia de covid-19 veio agravar esta realidade. Em Portugal, mais de 30% das crianças com 1-3 anos tem excesso de peso/obesidade (EPACI Portugal 2012), sendo esta prevalência de 31,9% aos 6-8 anos de idade (COSI, 2021/2022), resultante de um aumento de 2,2 % desde 2019.

Tendo em conta estas prevalências mas sobretudo as tendências, fácil se torna constatar que a obesidade é um grave problema de saúde pública à escala mundial, atingindo não apenas os países e classes económicas com mais poder económicos mas, cada vez mais, os países mais pobres e as classes mais desfavorecidas.

A obesidade tem estatuto de doença crónica (OMS), condicionando ela própria outras doenças, a curto e médio-longo prazo, e resultando num compromisso da qualidade e expectativa de vida. Efectivamente, é causa directa, entre outras, de doença ortopédica, perturbação do sono e da saúde psicológica em crianças e adolescentes, bem como de doença cardiovascular (hipertensão, diabetes, doença cardíaca...) e psiquiátrica (depressão) em adolescentes e adultos.

A obesidade é uma doença complexa e multifactorial ainda não muito bem entendida, para ela contribuindo factores genéticos (existem indivíduos com genes associados a risco de obesidade) e factores de susceptibilidade, ou seja, há crianças/adolescentes com maior risco de desenvolver obesidade. Mas os factores ambientais são determinantes para a sua expressão.

A obesidade tem ainda outra particularidade, que é a sua estabilidade na trajectória da vida. Assim, uma criança que inicia um aumento excessivo de peso nos primeiros anos de vida e chega aos 6 anos com obesidade, tem apenas 50% de hipótese de não ser um adulto obeso; mas se essa criança chegar a meio da adolescência (12-13 anos) com obesidade, tem 85-90% de hipótese de se manter um adulto obeso. E um adulto obeso, particularmente uma mulher obesa, tem forte probabilidade de transmitir a obesidade aos seus descendentes, perpetuando o ciclo vicioso da obesidade!

Tendo em conta quatro importantes aspectos previamente referidos: 1) a existência de crianças com “maior risco” de serem obesas; 2) a estabilidade da obesidade ao longo da idade pediátrica; 3) a necessidade de haver um ambiente “obesogénico” para desencadear a obesidade, ou seja, os comportamentos (de alimentação e de actividade física) são responsáveis, desde idades precoces, pelo aumento progressivo de acumulação de massa gorda; 4) as consequências para a saúde física e mental resultantes da obesidade, torna-se premente identificar precocemente quais são os indivíduos de risco, de forma a intervir precocemente no ciclo da vida, prevenindo precocemente a obesidade. E tendo em conta os números, importa agir urgentemente e importa claramente eleger como lema as palavras “prevenir” e “precocemente”!

Quem são então as crianças com maior risco de desenvolver obesidade?

  1. Aquelas cujos pais, particularmente a mãe, são obesos, pois transmitem alguns “genes de susceptibilidade”;
  2. Aquelas cuja mãe aumentou de peso durante a gravidez acima das recomendações (sobretudo se for previamente obesa), pois “vivem” in utero num ambiente de excesso de oferta de energia, que as programa para serem obesas e terem maior risco de diabetes;
  3. As crianças que nascem grandes (mais de 4 kg) ou pequenas (menos de 2,5 kg), particularmente se aumentam de peso rapidamente (cruzam para cima as linhas de percentil) nos primeiros seis meses a dois anos de vida, pois programam um comportamento e um ambiente metabólico e hormonal de “excesso”. Um aumento rápido de peso nos primeiros seis meses está associado a dez vezes mais risco de ser obeso aos 3 anos (EPACI) e o volume corporal de uma criança (o índice de massa corporal - IMC) aos 2 anos é preditivo do risco de obesidade aos 10 anos.
  4. As crianças que continuam a aumentar o seu volume (IMC) até aos 6-7 anos, pois reduzem para 50% a hipótese de alguma vez virem a ter um peso adequado. Perdidas as batalhas até ao início da adolescência equivale, provavelmente, a perder a guerra contra a obesidade.

Estes são os grupos de risco, relativamente aos quais os cuidadores (pais/avós e educadores/professores) e os profissionais de saúde, devem ter uma atitude de vigilância e de intervenção precoce. E a abordagem deve ser sempre médica (pediatra ou médico de família, de acordo com a idade e a gravidade), com apoio de uma equipa multidisciplinar.

O que fazer para prevenir?

Regra de ouro: moldar comportamentos desde o nascimento! Promover o aleitamento materno, controlar os volumes de leite/alimentos ingeridos, não permitir a repetição de refeições, promover as refeições em família, não consumir alimentos processados (as bolachas e os cereais de pequeno-almoço são processados), nem sumos, sobremesas, doces, promover o consumo de água, excluir écrans das rotinas diárias, encontrar actividades que promovam o movimento desde as primeiras idades e promover um estilo de vida activa e a prática de desporto nas crianças mais velhas/adolescentes.

Tudo isto é senso comum, mas importa que cada um dos responsáveis pela criança os interiorize, de forma a mudar comportamentos! E para isso nunca é demais lembrar que sendo a obesidade uma doença, a abordagem deve ser sempre centralizada no médico.

Nós somos os nossos genes, e não conseguimos mudá-los, mas a forma como o nosso “código de barras” se exprime, depende do nosso comportamento desde as idades mais precoces.

Não há obesidade, há obesidades! Uma criança obesa não é igual a outra... nem no risco, nem na causa, nem na resposta à intervenção na sua obesidade.

É muito difícil tratar a obesidade, mesmo a obesidade pediátrica. A prevenção precoce no ciclo da vida, com total responsabilidade informada por parte de todos os responsáveis pela criança, deverá ser o lema. Se pensamos que a prevenção é difícil e onerosa, nem queiramos imaginar o impacto pessoal, social, económico e em saúde, do tratamento da obesidade!

Sugerir correcção
Ler 1 comentários