Cenas dos episódios passados

A primeira semana de campanha é um episódio de flashbacks: do protagonismo de Passos ao regresso do tema do aborto; do PS ainda em modo ‘costista’ à esquerda em autofagia. Déjà vu.

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A culpa pode ser do argumentista que fica sem ideias para um novo capítulo. Ou são os actores que estão em greve. Ou a estrela da série partiu a perna. O que se faz então? Um clip show, um daqueles episódios cheios de flashbacks, de excertos de capítulos passados – até se ressuscitam personagens mortas. Quem devora séries de televisão já apanhou alguns destes episódios. Às vezes têm piada e saciam a nostalgia, mas fica sempre a sensação de que fomos enganados.

A primeira semana a sério da campanha eleitoral está a chegar ao fim e elencar os momentos-chave é como assistir a um desses episódios de corta-e-cola de cenas quase esquecidas. Que Pedro Passos Coelho seja o seu incontestável protagonista, oito anos após o fim do seu Governo, é um atestado da incapacidade que o centro-direita teve desde então em produzir uma liderança carismática e mobilizadora.

Que o parceiro júnior da Aliança Democrática tenha marcado a semana com a ideia de recuperar um assunto referendado há 17 anos é revelador da ausência de novas bandeiras. Que o PS não esteja a conseguir ir além da defesa do legado 'costista', do "está tudo bem", também é. Que a esquerda à esquerda do PS se entregue novamente a exercícios autofágicos e fratricidas é um encore que os seus eleitores não pediram.

Voltemos então a Passos Coelho. Não vale a pena repisar o que foi escrito e dito entretanto, mas também é difícil não repetir que associar de forma tão ligeira a imigração a algo tão etéreo e subjectivo como uma “sensação de insegurança” é de uma irresponsabilidade indigna de um dito (presidenciável?) estadista da direita democrática.

Como também não resisto a acrescentar que há um problema de imigração em Portugal, sim, mas que é um problema burocrático e legislativo do qual o imigrante, não o português, é a sua principal vítima. O Estado português é a maior fábrica de ilegais em Portugal, atirando para um limbo, para a precariedade e para a mercê do crime organizado aqueles que querem viver e trabalhar de forma regularizada no país, e que esperam meses e anos por papéis. Não foram eles que quebraram a lei; foi quem redigiu sucessivas alterações à lei sem dotar o Estado de meios para a aplicar que os atirou para as margens.

Mas Passos disse o que disse e fê-lo no Algarve, onde a AD estará a correr atrás do Chega. Porque é necessário roubar ao Chega e trazer para o eixo democrático o tema da imigração, disseram os comentadores, mesmo que não se ouvisse de Passos qualquer proposta concreta sobre a questão. Porque é necessário esvaziar o discurso do Chega, tirar-lhe espaço.

E de facto, passados os debates e entrada a campanha em velocidade de cruzeiro, o partido de André Ventura parece ter sido eclipsado no plano mediático pela Aliança Democrática. Foi Passos na segunda-feira; foi depois Paulo Núncio, número quatro da lista em Lisboa, a defender um novo referendo ao aborto; foi mais tarde o cabeça de lista por Santarém a regredir décadas no que tem sido o consenso dos partidos do arco democrático em relação às alterações climáticas (foram até os activistas da Climáximo a brindar Luís Montenegro com uma agressão com tinta, suscitando a simpatia de todos os dirigentes partidários pelo líder do PSD).

Mas será mesmo isto uma comédia de erros? Poderemos dizer que a semana correu mal à AD se ela acaba com a coligação a condicionar a agenda dos restantes partidos, a tirar espaço ao Chega e a somar sinais de concentração de voto útil à direita nas sondagens? Tal como os tais episódios de flashbacks, o “tão mau que é bom” funciona bem na televisão. Em campanha eleitoral, pelos vistos, também. Haverá certamente quem agradeça a normalização de certos discursos. A que custo? Descobriremos nos próximos ciclos eleitorais.

Falta ainda a semana final da campanha. A primeira foi rica em incidentes e parca em respostas aos temas que diversos inquéritos de opinião têm assinalado como os mais importantes para o eleitorado. A habitação e a saúde perderam tempo de antena para a imigração e a criminalidade, com responsabilidades também para o jornalismo e para o comentário político. E também continuamos todos a fingir que não se passa nada no Leste da Europa e no Médio Oriente, e que as próximas eleições presidenciais norte-americanas não terão qualquer impacto no continente europeu. Alguém irá ainda a tempo de falar disso? Alguém terá planos B, C e D? Logo se vê, não há-de ser nada.

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