Não falem mal do SNS
Ver o SNS ser atacado sem dó nem piedade por candidatos às eleições legislativas é revoltante, para quem como eu, sabe que estar aqui a escrever estas linhas, só é possível graças àquele.
Se há casos de desfechos trágicos, é bom registar que por este país fora, todos os dias, médicos e médicas que não conhecemos, tratam doentes e evitam a sua morte. Eu fui curada por uma médica espanhola, a quem agradeço todos os dias, o conhecimento, a atenção e o detalhe em cada consulta.
No Hospital de Dia, dezenas de enfermeiros/as, suportavam com um sorriso, a dor e amargura de ver gente, muita gente, diariamente, sentar-se naqueles sofás verdes, para descobrir uma veia, onde injetavam um dos muitos quimioterápicos. Gente que chegava com um cabelo farto e, à segunda sessão, já estava irreconhecível. Esta dureza, estas rotinas, não podem ser jogadas no lixo, acusando o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de estar num beco sem ver luz ao fundo do túnel. Não é assim.
Ver o SNS ser atacado sem dó nem piedade por candidatos às eleições legislativas é revoltante, para quem como eu, sabe que estar aqui a escrever estas linhas, só é possível graças ao Serviço Nacional de Saúde. Ecoam as palavras: outra pessoa nos EUA, por exemplo, com o seu problema de saúde e sem um bom seguro de saúde, não era tratada. Eu estive lá a trabalhar e fiquei chocada pela forma como se desiste dos doentes oncológicos que não têm dinheiro para ser tratados, que não têm bons seguros de saúde (um doente com cancro pode custar entre 60 mil a 90 mil euros por ano ao nosso SNS).
O desabafo partilhado por uma médica da área da oncologia, reflete outras realidades, bem piores que a nossa, que é notícia por atrasos, por consultas adiadas, por falta de médicos. A realidade portuguesa de um verdadeiro sistema de saúde público tem obviamente defeitos, a que não somos alheios. Por exemplo, a saúde mental continua a não ser uma prioridade do SNS. Há pessoas há mais de dois anos, à espera de uma consulta nessa área.
Porém, o discurso de “tudo vai mal em Portugal” é erróneo e falso, e diz quem vive no interior, longe dos grandes centros, sabendo que continuamos a ter muitas localidades sem sinal de telefone ou rede Internet, realidade conhecida na altura da pandemia, mas já esquecida. Ou que muitos doentes oncológicos da zona da Guarda chegam cedo ao IPO de Coimbra e saem muito tarde, para regressar num IP3 (estrada da morte) e seguir por um IC6, via literalmente inacabada, o que faz com que, quem seja da Mêda, por exemplo, veja a sua chegada a casa como um verdadeiro drama, entre indisposições causadas pelos tratamentos e pelas contracurvas. Isso sim, revolta-me, porque continuamos num país, a duas velocidades.
Estar em Lisboa é perceber que existe uma via rápida para qualquer concelho da Área Metropolitana e é impossível não recordar a audácia e desfaçatez de governantes que inauguraram obras em troços do IP3, enaltecendo melhorias para perfil de autoestrada. Viseu e Coimbra não têm uma ligação de autoestrada, subsistindo um IP3, teste aos claustrofóbicos desta vida, com zonas onde mal cabe uma viatura. Mas os nossos governantes, só lá passam, quando são tempos de campanha e em viaturas sinalizadas como estando em serviços urgentes.
E, neste domínio, importa referir que, nestes debates, não me senti representada na maioria dos discursos, havendo ainda assim uma clara linha que importa distinguir, entre a educação e a falta dela. E isso não se compra, nem se adquire em estratégias de marketing político e é exatamente este fator que vai influenciar os portugueses na hora de votar.
O português tem boa índole, tem bom coração, pode estar revoltado, zangado, descontente, mas não vai em cantigas. Não há que temer o voto de um povo que é, tradicionalmente, bom. O ‘tuga’ é capaz de dizer: "vai para a tua terra!", mas é o primeiro a ajudar alguém que está a passar fome, seja branco, preto ou vermelho. Pelo menos, é nisto que acredito. Portugal tem na sua memória um Aristides de Sousa Mendes e tantas outras pessoas, que sob anonimato, nas fronteiras, acolheram refugiados na época do nazismo.
Portugal é um bom país que, não sendo perfeito, é exemplo em muitas matérias. É bom que se grite, que ter um SNS como o nosso, é um desses bons exemplos.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990