Sardenha impõe derrota a Meloni e “abre uma alternativa” à direita radical em Itália

O centro-esquerda festejou e a coligação no poder terá de rever a estratégia, a caminho das eleições europeias. O próximo teste é já daqui a duas semanas, nas eleições regionais em Abruzzo.

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Conte, Todde e Shlein, o trio vencedor em Cagliari FABIO MURRU/EPA
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Foi uma vitória à justa, mas de grande simbolismo. É a primeira derrota da direita radical, populista e nacionalista que chegou ao poder em Setembro de 2022, com um candidato imposto pela primeira-ministra, Giorgia Meloni, e acontece a quatro meses das eleições europeias. E é a primeira vitória de uma nova aliança entre o Partido Democrático, principal partido da oposição em Itália, e o Movimento 5 Estrelas; os seus líderes, Elly Schlein e Giuseppe Conte, voaram juntos para a Sardenha e festejaram como se de uma eleição nacional se tratasse.

“Muda o vento”, anunciou Schlein à chegada, quando o demorado escrutínio ainda não terminara, mas já garantia a vitória a Alessandra Todde, ex-vice-presidente do M5S. Para a secretária-geral do PD, que vê reforçada a sua estratégia de aliança com o M5S, foi uma celebração dupla, precisamente um ano depois de ter sido eleita para suceder a Enrico Letta. “É um dia inesquecível. Os sardos abriram uma alternativa”, proclamou Giuseppe Conte, líder do M5S que tem vindo a aproximar o partido anti-sistema do centro-esquerda do PD.

“Pesado ou ligeiro, o primeiro golpe que sofres dói porque te surpreende, choca, já não estás habituado e tens de mudar de táctica”, escreve na newsletter Prima Ora Il Punto o jornalista Gianluca Mercuri, do diário Corriere della Sera. Mudar para “evitar receber mais golpes, em outras regiões, ou mesmo na batalha campal do Campeonato Europeu”.

Todde bateu Paolo Truzzu, membro do partido Irmãos de Itália (FdI, na sigla italiana), de Meloni, e até agora presidente da câmara de Cagliari, por pouco mais de 3000 votos. Numa região que representa apenas 2,5% da população de Itália. E, no entanto, “o voto da Sardenha muda o horizonte e o equilíbrio de poder dentro da maioria”, afirma o chefe de redacção do jornal La Repubblica, Maurizio Molinari, na sua newsletter matutina.

Meloni impôs o seu candidato a Matteo Salvini, líder da Liga, principal parceiro do FdI na coligação da direita radical. O líder do partido xenófobo e nacionalista queria apresentar Christian Solinas, o presidente do governo regional da ilha que está a ser investigado por corrupção desde 2022.

“As eleições não foram influenciadas por factores nacionais e a prova é o resultado em Cagliari, que, mais do que votar Todde, votou contra mim”, avaliou o candidato vencido. “Quando o povo vota tem sempre razão. Quando se vence, vencemos todos juntos, quando se perde perdemos todos juntos”, afirmou Salvini, vice de Meloni e ministro das Infra-Estruturas e dos Transportes.

Se a escolha do candidato foi de Meloni, a verdade é que, para lá do resultado de Truzzu, a Liga teve uma votação catastrófica, com 3,7%, ficando a muita distância do Força Itália, o partido de Silvio Berlusconi que acaba de confirmar Antonio Tajani como secretário-geral, no primeiro congresso depois da morte do líder e fundador. A formação de Salvini mantém-se em queda, depois de ter chegado a ser a maior da coligação das direitas, nas eleições de 2018, e vencido as últimas europeias, no ano seguinte.

“Eles tinham a certeza de que venceriam, vieram a Cagliari com grande pompa, a primeira-ministra e o vice-primeiro-ministro, e a Sardenha respondeu”, escreveu a secretária do PD na rede social Facebook. “Perdeu Truzzu, perdeu Giorgia Meloni, que o impôs à força, e perdeu também Matteo Salvini”, defendeu.

A primeira mulher

Já a vencedora afirmou-se “orgulhosa” por ser “a primeira mulher presidente da região”. “Depois de 75 anos, quebrámos o tecto de vidro”, congratulou-se. De resto, Todde sublinhou a importância de estar à frente de uma aliança que considera ser “o único caminho viável”. Agora, diz, quer “criar um projecto sólido, que possa convencer um eleitorado que quer a unidade”.

Depois da Sardenha, as atenções viram-se para Abruzzo. “Temos a oportunidade de vencer imediatamente, no dia 10 de Março, em Abruzzo, estou absolutamente optimista, tanto com o resultado do centro-direita como da lista da Liga”, assegurou Salvini. “Desde 2015 que não se conquistava uma região onde governa a direita. Daqui a duas semanas podemos vencer também em Abruzzo, com Luciano d’Amico”, disse Schlein, referindo-se ao candidato da coligação PD/ M5S, que junta ainda pequenos partidos locais e de esquerda.

Este Pacto para Abruzzo enfrenta o até agora presidente, Marco Marsilio, membro do FdI apoiado pela coligação de Meloni e Salvini, que, para além do Força Itália, inclui também a UdC — União dos Democratas Cristãos e Democratas do Centro. As últimas sondagens dão vantagem a Marsilio, entre os 52 e os 53%, contra o economista d’Amico, que surge com 47 a 48% das intenções de voto. Ainda assim, Meloni, como escreve a imprensa italiana, “teme o efeito dominó”, que é o que deseja o centro-esquerda.

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