Itália não se pode render à “substituição étnica”, defende ministro aliado de Meloni
Declarações de dirigente próximo da primeira-ministra mereceram críticas até da Liga, partido xenófobo e parceiro de coligação do Irmãos de Itália. Oposição fala em “palavras repugnantes”.
Francesco Lollobrigida, ministro da Agricultura, da Soberania Alimentar e das Florestas é próximo de Giorgia Meloni desde os tempos em que ambos militavam na Frente da Juventude, a organização juvenil do partido neofascista Movimento Social Italiano. Também é cunhado da primeira-ministra. “Não podemos render-nos à ideia da substituição étnica: os italianos têm menos filhos, então substituímo-los por outras pessoas. Não é esse o caminho”, afirmou o ministro. Para a líder do maior partido da oposição, Elly Schlein, estas “são palavras repugnantes” e “inaceitáveis”, “com sabor a supremacia branca” e que “nos remetem aos anos 30 do século passado”.
As críticas da líder do Partido Democrático (centro-esquerda) são uma opinião política, mas baseiam-se em factos: a expressão “substituição étnica” remete para a teoria conhecida como “A Grande Substituição”, uma conspiração racista adoptada por supremacistas e partilhada por terroristas como Brenton Tarrant, que assassinou 51 muçulmanos em duas mesquitas da Nova Zelândia, em 2019, ou Payton Gendron, de 19 anos, que em 2022 matou dez pessoas negras num supermercado em Buffalo, nos Estados Unidos.
Originalmente disseminada em França, a teoria defende que há um plano secreto para substituir as populações brancas por minorias, como os muçulmanos vindos do Norte de África.
As críticas não chegaram apenas do PD ou dos partidos mais à esquerda, também houve reparos de membros da Liga, o partido xenófobo e anti-imigração do vice-primeiro-ministro Matteo Salvini. Para Gian Marco Centinaio, actual vice-presidente do Senado, Lollobrigida não errou na substância – ao falar da “necessidade de ajudar os casais italianos a terem mais filhos” –, mas usou “palavras realmente feias, errou a forma, e muitas vezes a forma é a substância”.
Para além do Irmãos de Itália (FdI), de Meloni, e da Liga, da coligação governamental de direita e extrema-direita faz ainda parte o Força Itália (FI), de Silvio Berlusconi. Considerado o elo de moderação da aliança, o FI escolheu relativizar o sucedido, defendendo que apesar de ter usado “uma expressão que se presta à controvérsia”, Lollobrigida limitou-se a repetir “palavras que já ouvíamos antes”, “em comícios”, “em campanha”, “e não nos escandalizámos”.
Schlein e outros dirigentes disseram esperar que Meloni se distancie das declarações de Lollobrigida, mas parece claro que não o fará. A verdade é que chefe do Governo já usou palavras muito parecidas, apesar da linha mais moderada que exibe desde que chegou ao poder, no fim de Outubro. Aliás, enquanto Lollobrigida falava de “substituição étnica”, a primeira-ministra aproveitava a abertura do Salão do Móvel de Milão para explicar que o seu Governo “não trabalha para resolver [a falta de mão-de-obra] com imigrantes, mas com essa reserva não utilizada que é o trabalho das mulheres” e através do aumento da natalidade.
Nas frequentes e implacáveis críticas que fazia às políticas de imigração, Meloni acusou o anterior executivo de querer “destruir a nossa identidade europeia e cristã com migração em massa sem controlo” (2019) e afirmou que a “substituição étnica” estava em andamento, porque “mais de 153 mil imigrantes, a maioria homens africanos, chegaram a Itália" (2016).
A semana passada, em resposta ao “aumento excepcional do fluxo de migrantes pelas rotas do Mediterrâneo”, o Governo declarou o estado de emergência em todo o país durante seis meses, uma declaração que permite facilitar as expulsões e aligeirar o processo de acolhimento e distribuição dos requerentes de asilo por diferentes regiões. As declarações de Lollobrigida coincidiram com o debate, no Parlamento, da proposta dos partidos no poder para eliminar da lei a figura da protecção especial para os imigrantes.