Dune - Duna: Parte Dois é como um divã
A segunda parte da adaptação de Frank Herbert pelo canadiano Denis Villeneuve é melhor e mais consistente do que a primeira. Injecta humanidade por entre o formalismo. Estreia-se quinta-feira.
E, de repente, aparece uma corrente de ar pelo meio do formalismo gélido, preciso (quando não preciosista) de Denis Villeneuve.
Não era evidente que assim fosse: a primeira parte da adaptação do “infilmável” livro de Frank Herbert pelo realizador de Blade Runner 2049 e O Primeiro Encontro era só encher o olho, construir ambiente, mergulhar o espectador num universo esmagador, mas sem lhe dar nada a que se agarrar. Aqui, pelo meio das figuras obrigatórias da space opera clássica — com Paul Atreides a liderar a revolta dos Fremen contra a opressão da casa Harkonnen como uma espécie de Messias relutante —, de repente há mais qualquer coisa a infiltrar-se, um pouco como os vermes que a espaços surgem no planeta deserto de Arrakis.
Pelo meio de toda a grandiosidade formalista surge uma escala humana que é interessante, uma simplicidade de enquadramentos que é inesperada: linhas, figuras, quadros, grandes planos, imagens que são mais do que mera ilustração.
Já não se trata apenas de “fazer bonito”, trata-se de colocar as personagens no plano certo, no momento certo, de não as deixar perderem-se no espaço, de permitir ao filme respirar. No fundo, reconquistar o humano por entre a grandiosidade opulenta do ambiente: aos ocres e areados de Arrakis, quentes e nevoentos, opõe-se a esterilidade quase monocromática de Giedi Prime, o planeta-mãe dos Harkonnen; à sua frieza abissal contrasta-se o calor da relação entre Paul e Chani (Zendaya é, aliás, o “trunfo secreto” do filme, com a sua presença determinada a ter equivalente apenas na malícia de Léa Seydoux e na dureza de Florence Pugh, verdadeiras heroínas deste universo só em aparência patriarcal).
Tudo em Duna: Parte Dois é um duelo/dueto entre o infinitesimal e o cósmico, entre o destino e o livre-arbítrio; tal como o livro de Herbert o era já, e aqui de uma maneira que é nitidamente villeneuviana na sua sisudez monumental, pontualmente solene, mas capaz de dar ao espectador algo em que possa ferrar o dente. Um convite que já se fazia na primeira parte, mas que aqui não nos deixa insatisfeitos: é o caso bastante raro de um segundo filme mais sólido do que o primeiro, mesmo que deixe (propriedade intelectual oblige) porta aberta para uma futura “terceira parte” adaptando a sequela O Messias de Duna.
Para já, deixemos de lado o filme de David Lynch, que é outra coisa e continua a existir inteiro, e saboreemos a visão que Denis Villeneuve soube finalmente trazer a fruição.