Cravinho critica ausência de temas internacionais da campanha eleitoral em Portugal
Ministro dos Negócios Estrangeiros sustenta que todas as lideranças políticas têm responsabilidades na procura de respostas para a “desordem internacional” que tem repercussões na vida de todos
O ministro dos Negócios Estrangeiros português considerou "muito confrangedor e preocupante" que a degradação da ordem internacional esteja ausente da campanha para as eleições legislativas, defendendo que os assuntos discutidos "são pequenos" em comparação com o quadro geopolítico.
"É muito confrangedor e muito preocupante que na nossa actual campanha eleitoral em Portugal ninguém esteja a falar daquilo que é o mais importante, que é a degradação da ordem internacional à nossa volta", disse João Gomes Cravinho, em entrevista à Lusa, em Bruxelas.
Falando na véspera de uma reunião com os homólogos da União Europeia (UE), o governante olhou para as eleições de 10 de Março, que decidirão a composição do parlamento na próxima legislatura e o partido que vai ser convidado a formar Governo, e lamentou a ausência de discussão sobre os acontecimentos internacionais que têm repercussões na vida de todos.
"Todas as promessas eleitorais, as preocupações eleitorais, tudo aquilo que são os grandes temas que os diversos protagonistas da nossa política estão a colocar em cima da mesa, todos eles são pequenos, comparados com o quadro internacional que temos à nossa volta", sustentou o ministro dos Negócios Estrangeiros.
João Gomes Cravinho advogou que "as opiniões públicas, não é só em Portugal, um pouco por todo o lado", incluindo das "lideranças políticas", são necessárias para encontrar "as soluções necessárias" para resolver um quadro geopolítico internacional cada vez mais incerto.
O ministro foi questionado sobre a eventual reeleição do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais de Novembro nos Estados Unidos da América (EUA).
Recentemente, o antigo presidente norte-americano voltou a criticar os países da Aliança Atlântica com contribuições menores para a organização político-militar, admitindo até que incentivaria a Rússia a atacá-los, e argumentou que em pouco mais de um dia resolveria o conflito na Ucrânia.
"Aquilo que acontecer em Novembro nas eleições nos Estados Unidos é evidente que será da maior importância, mas, ao mesmo tempo, penso que não devemos cair na armadilha de assumir [o que Trump diz] como verdades absolutas", advertiu o governante socialista, advogando que as declarações de Trump são "feitas para chocar" e para "criar títulos de jornal".
"Nós temos visto como líderes mais extremistas, populistas, se aproveitam precisamente dessa tendência da nossa sociedade contemporânea de dar grande valor a afirmações chocantes para que apareçam com grande visibilidade e, desse modo, ganham algum relevo político, alguma vantagem", completou.
João Gomes Cravinho admitiu que entre 2017 e 2021 - os anos do mandato de Trump - os EUA, "uma grande potência internacional, não souberam contribuir para a ordem internacional, pelo contrário, contribuíram para a aceleração da desordem internacional".
"A minha expectativa é de que em 2025 os Estados Unidos, quem quer que seja o Presidente, possam olhar à volta e dizer: "Isto [a desordem internacional] não interessa aos Estados Unidos". E, portanto, comecem a contribuir no sentido contrário, para a reconsolidação da ordem internacional", acrescentou o ministro com a pasta da diplomacia portuguesa.
Sobre as europeias no início de Junho, João Gomes Cravinho considerou que são "eleições atípicas". "São eleições em que as populações dos diversos países europeus sentem que podem exprimir as suas opiniões, frustrações e ambições de uma maneira impune, porque sentem que há uma grande distância" entre o voto e as consequências para o dia-a-dia.
"A distância é maior do que aquela que sentem quando estão em causa eleições nacionais, mas penso que não se deve extrapolar o resultado das europeias de Junho para conclusões definitivas sobre aquilo que os europeus pensam. De algum modo, são vistas por uma parte importante do eleitorado como eleições sem consequência", ressalvou.