Postal de Angra do Heroísmo: “O Oscilante”

A intriga, leia-se enredo, não mexerico, desperta-me a curiosidade, estimula-me a querer explorar, desvendar, conhecer, aprender.

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João da Silva
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Entrei na Biblioteca Pública e Arquivo Regional Luís da Silva Ribeiro, no número 42 da Rua do Morrão de Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, com o intuito de conhecer o espaço, tirar meia dúzia de livros das estantes e perder-me no labirinto de páginas à procura de uma palavra, uma descrição, uma análise, uma declaração, uma imagem, enfim, de alguma coisa com que entreter o meu pensamento na hora e meia que me separava de um almoço com amigos.

Todavia, quando me encaminhava para o espaço dos livros, fui surpreendido pela coleção "O Oscilante", conjunto de pinturas que explora as complexidades do rosto como veículo de expressões incontroláveis. A mente por detrás da obra é Carolina Rocha, artista dedicada à pesquisa exaustiva de nuances do ser humano e que, no conjunto, "O Oscilante" se focou nos rostos como manifestações sinceras de emoções, muitas vezes inexploradas pela linguagem verbal.

O rosto humano é um espelho das emoções. Revela expressões básicas universais, como felicidade e tristeza. Todavia, a interpretação dessas expressões é moldada por influências culturais e experiências desde a infância, fruto de normas sociais e expectativas culturais que influem como as emoções são expressas e percebidas. Há elementos universais nas expressões faciais, mas a sua complexidade resulta de uma interação entre fatores biológicos e culturais, dificultando a compreensão.

Carolina Rocha confidenciou-me a origem da coleção: "Os trabalhos surgiram numa altura marcada por várias situações de instabilidade. Para além disso, desempenhava funções na secção infantojuvenil da biblioteca, onde contactava muito com crianças. Em paralelo, explorava a psicopatia através de vídeos. O confronto com esses dois elementos, à partida antagónicos, teve algum impacto no desenvolvimento desta série."

O resultado são retratos profundamente carregados de emoção e mistério, onde, aqui e ali, uma acentuada nota infantil se revela. Este traço peculiar, fruto do referido encontro entre instabilidade pessoal, contacto próximo com crianças e exploração do lado mais sombrio da psicologia humana, adiciona uma camada intrigante a estas obras de Carolina Rocha, onde cada pincelada parece traduzir as oscilações emocionais que permeiam a experiência humana, evidenciando medos que a voz muitas vezes não consegue articular.

"Procurei extrair as nuances de um tema intrínseco ao ser humano: o rosto como um veículo de expressões incontroláveis e como algo que não precisa da palavra para comunicar e sobre o qual, na maior parte das vezes, não temos um controlo consciente. Falar de rosto é também falar de máscaras e do que elas ocultam e revelam", explica a pintora nascida em 1987 na Ilha de São Miguel e que, paralelamente as artes plásticas, continua a trabalhar na Biblioteca Pública e Arquivo Regional Luís da Silva Ribeiro.

Mais do que pinturas em formato A4 e A3 a tinta-da-china, tinta acrílica e guache, o conjunto de obras expostas junto ao webcafé da biblioteca convida-nos a aventurarmo-nos no labirinto da alma humana. Confesso que fiquei intrigado. E isso é uma coisa boa. A intriga, leia-se enredo, não mexerico, desperta-me a curiosidade, estimula-me a querer explorar, desvendar, conhecer, aprender.

Minutos depois de sair da biblioteca, já embalado na calçada da Rua do Galo em direção à Praça Velha, dei por mim a pensar qual teria sido a minha expressão facial quando, bem cedo nessa manhã, uma senhora com uma enorme cesta a tiracolo tentou vender-me uma filhós de forno em frente à Zona Balnear da Prainha de Angra do Heroísmo – recusei, já me havia empanturrado ao pequeno-almoço – e, ao mesmo tempo, a refletir, deslumbrado, sobre as minhas próprias oscilações emocionais e a beleza e complexidade que se esconde por trás do rosto humano, esse riquíssimo e tão eloquente instrumento silencioso de comunicação e expressão. A frase parece-lhe complexa e contraditória?

Também nós o somos.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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