O período que antecede um ato eleitoral é um ambiente assustadoramente familiar para os portugueses: somos bombardeados com conteúdo político de maior ou menor qualidade, amostras de "debates" televisivos, e fracos sumários dos programas eleitorais dos partidos candidatos.
Das críticas à nossa doente democracia, a desproporcionalidade do debate político centrado em Lisboa serve como um bom retrato do que aí vem. É a desmedida centralização das instituições, serviços e tecido empresarial, que se manifesta nesta exagerada atenção mediática dada à capital, alheada do "resto" do país.
Este problema é antigo, mas nem por isso se pode deixar passar outras eleições legislativas sem (no mínimo) o mencionar. Aquilo que é evidente para milhões de portugueses passa completamente ao lado de uma classe política que teima em querer ver em Lisboa (e arredores) um retrato fiel do estado do país. Não podiam estar mais enganados, e ainda bem.
Os milhões de portugueses que vivem fora de Lisboa, sujeitos à mesma carga fiscal que os restantes cidadãos, passam dois meses a ouvir onde vão ser aplicados os seus impostos. E não descurando a importância destes programas, há quem nunca vá usufruir deles e não oiça, em contrapartida, propostas dirigidas à realidade em que vive.
Quando se fala em ferrovia, milhões de portugueses riem-se baixinho porque no seu concelho não passa comboio nenhum. Quando se discutem transportes públicos, milhões de portugueses rogam pragas porque continuam a depender do carro para estudar ou trabalhar pela falta de oferta de transportes públicos. Atinge funcionários públicos, como professores ou profissionais de saúde, que atravessam meio país todos os dias e são obrigados a suportar elevadas despesas de combustível e portagens quando não existe outra opção.
Quando se discute habitação e construção, há milhões de portugueses no interior do país que vendo as suas aldeias e vilas desertificadas, gritam para a televisão que "aqui há muita casa". Quando se fala hoje de emigração, os que ficaram recordam os tempos em que das suas terras escoavam gerações inteiras para o estrangeiro, e o restante para Lisboa e Porto. E não esquecem que, enquanto as aldeias desapareciam, o discurso político não procurava soluções.
Quando se discute a construção de um novo aeroporto, há milhares de portugueses que só o vão utilizar uma vez, numa viagem só de ida.
Estes temas e outros, que deviam ser discutidos numa postura de coesão territorial nacional, são discutidos numa perspectiva fechada sobre si mesma, fechada sobre uma realidade que não existe para grande parte dos portugueses. Assiste-se antes a uma postura de resignação face a estas disparidades, que não se justificam num país com a dimensão de Portugal. Ouvem-se hoje as mesmas histórias de aldeias e vilas que se esvaziam enquanto os debates políticos fervilham em salões distantes.