O que é que as fotografias no Tinder dizem sobre nós?

Matilde Duarte reuniu e agrupou por grau de semelhança mais de 1500 fotografias de perfis do Tinder para nos revelar quem somos. O resultado é tragicómico.

Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte
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Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte

Matilde Duarte sempre se interessou pela repetição fotográfica, pela arqueologia digital e pela “ironia, em geral”. Depois de abrir uma conta no Tinder, rapidamente se apercebeu dos padrões e repetições fotográficas. “E daí até produzir um livro sobre o tema foi um pequeno passo”, conta ao P3, em entrevista telefónica a partir de Barcelona. Esse livro é Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles e contém mais de 1500 fotografias de utilizadores da app de encontros agrupadas por grau de semelhança.

Matilde abriu dois perfis, um com base em Barcelona e outro em Madrid, um do sexo masculino e outro feminino, ambos heterossexuais e com 30 anos de idade. Entre Outubro de 2022 e Maio de 2023 passou os olhos por milhares de fotografias, potenciais match, e reuniu milhares de imagens. “O algoritmo do Tinder tende a devolver perfis de pessoas com idade próxima à que definimos como sendo a nossa”, comenta Matilde. “Por isso, na recta final modifiquei a idade dos meus perfis para chegar a pessoas com mais de 40 anos.”

O livro de 131 páginas de 12 imagens cada está dividido em mais de 100 categorias. “Começa com imagens em que o contexto espacial importa”, refere Matilde. Primeiro entre a natureza – a praia, a montanha – e de seguida os lugares de consumo cultural, como museus, monumentos. “Seguem-se retratos de pessoas em actividades, como comer ou fumar ou praticar desporto, e por fim imagens centradas no corpo.”

Quando agrupou as imagens e investigou as repetições, Matilde deu-se conta de que o resultado está longe de ser cómico. “Creio que é o contrário. Olhar as imagens em conjunto pode produzir um efeito agoniante. Dá-nos a sensação de que somos muito pouco originais, como que ovelhas, todos iguais.” E abre hipóteses para essa replicação – algumas empíricas e outras de natureza mais filosófica.

“Os seres humanos têm tendência a copiar os desejos dos demais”, cogita. “Por vezes interessa-se por determinados objectos apenas porque esses interessam a outras pessoas. Tendem a ir ao encontro dos desejos dos outros. Isso vê-se bem quando as crianças querem um brinquedo porque outra criança o tem e não porque goste particularmente dele.” Esta é uma de mil interpretações, salienta. “Há 50 mil outras possíveis.”

De um ponto de vista filosófico, Matilde aponta a influência da cultura de massas sobre o indivíduo, a pressão do capitalismo e da sua mecânica aspiracional sobre o que é entendido como desejável. Existem categorias dedicadas ao golfe, à exibição de carros, aos destinos turísticos paradisíacos. “Aqui obedece-se a lugares comuns do que é secularmente associado a condutas de êxito, que se podem traduzir em sex appeal.” Outras categorias de pessoas que se retratam no ginásio, em frente ao espalho, na praia em traje de banho, “são orientadas por cânones estéticos típicos da indústria cultural ou da publicidade”, comenta. “É uma espécie de marketing pessoal, como se criassem o anúncio de si próprios.”

Algo que Matilde achou curioso foi o facto de as pessoas se mostrarem no Tinder quase sempre em momentos de ócio. “Embora a maioria passe, certamente, um terço do seu dia a trabalhar, são raras as pessoas que escolhem mostrar-se neste contexto”, nota. O único grupo laboral representado em Match é o dos profissionais de saúde, que, por algum motivo, tendem a representar-se de bata branca em contexto clínico ou hospitalar.

Em Match, as diferenças de género são também evidentes. Existem categorias só de mulheres e só de homens. Foi ao notar essas diferenças, até, que Matilde teve a ideia para o livro. “Reparei na repetição frequente dos ‘rapazes voadores’, aqueles que estão em pleno salto para a água, e também no caso das mulheres na praia, de braços levantados.” As fotografias que constam de perfis masculinos são sobretudo espontâneas. Eles fotografam-se sobretudo junto ou dentro dos seus carros ou a praticar desporto. “No caso dos perfis femininos, há mais fotografias em pose, mais premeditadas, em lugares turísticos ou diante do espelho.” Em todo o caso, sublinha Matilde, “tenho a sensação de que as diferenças parecem esbater-se cada vez mais e que os géneros tendem a igualar-se”.

O tipo de livro e de projecto desenvolvido por Duarte foi inspirado no trabalho de August Sander Cidadãos do século XX, que consiste num retrato dos indivíduos comuns que compunham sociedade alemã entre 1919 e meados de 1950. Outra das suas referências é o trabalho do fotógrafo holandês Hans Eijkelboom Pessoas do século XXI, em que fotografa e cataloga cidadãos comuns vestidos de forma igual nas ruas de várias capitais do mundo.

As imagens que compõem Match mostram que, apesar de sermos todos diferentes, somos também todos um pouco iguais. “À medida que os utilizadores se esforçam por destacar, a sua vaidade dissolve-os numa massa uniforme, como se fosse peças de um jogo de Tetris que, quando se encaixam, desaparecem.”

Do livro <i>Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles</i>
Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte
Do livro <i>Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles</i>
Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte
Do livro <i>Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles</i>
Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte
Do livro <i>Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles</i>
Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte
Do livro <i>Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles</i>
Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte
Do livro <i>Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles</i>
Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte
Do livro <i>Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles</i>
Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte
Do livro <i>Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles</i>
Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte
Do livro <i>Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles</i>
Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte
Do livro <i>Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles</i>
Do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles ©Matilde Duarte
Capa do livro <i>Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles</i>
Capa do livro Match: A visual study of repetitive self-display in Tinder profiles