Carta a um amigo que vive numa ilha dos Açores
Todos podemos fazer a diferença na vida de alguém em determinado momento. (...) Carrega as compras de um desconhecido em dificuldades físicas, apanha um papel do chão e coloca-o no lixo...
Olá! Espero que estejas bem!
Já estou de volta a casa depois de três dias repartidos entre a Ilha de São Miguel e Ilha Terceira. Viajei para aí a convite da Equipa de Educação para a Saúde do Núcleo Regional dos Açores da Liga Portuguesa Contra o Cancro, que organizou, em parceria com a Associação Vidas Reais Causas Reais (da qual faço parte) três eventos intitulados Cuida da Tua Saúde para os alunos da Escola profissional INETESE (Lagoa, Ilha de São Miguel), Escola Secundária Manuel de Arriaga (Horta, Ilha do Faial) e Escola Secundária Vitorino Nemésio (Praia da Vitória, Ilha Terceira).
No total, cerca de 200 alunos (rapazes e raparigas) entre os 15 e os 17 anos, assistiram às sessões de sensibilização para o cancro resultante das infeções por HPV e cancro do testículo (campanha Apalpa-os) e para a importância da adoção de comportamentos de estilo de vida saudáveis.
Na palestra a que assististe, falei sobre humanismo, tolerância, empatia, generosidade, aceitação, autoestima, adaptação, erro, tabus, masculinidade, raiva, dor, sofrimento, dedicação, ajuda, esperança, amizade, amor, morte e vida. Sobretudo sobre vida. E em vida cabe isto tudo e mais alguma coisa.
Caminhei bastante na tua ilha, que é linda, e também na outra ilha onde estive, igualmente linda (com muita pena minha e por razões logísticas, não fui ao Faial; a palestra foi online). Visitei as bibliotecas locais, falei com as pessoas na rua e nos cafés, enfim, foram três dias cheios e muito bem passados. Na bagagem, além de uma vaquinha de peluche para a minha filha (concordámos em baptizá-la de Hortênsia, imagina lá porquê?), trouxe imensa atenção e carinho, olhares sinceros, lágrimas, sorrisos, palavras boas, abraços e um amigo. Pelo menos um amigo. É o que somos, não é? Amigos?
No dia em que assististe à minha palestra, enviaste-me uma mensagem: “Gostei muito da apresentação.”
Respondi-te: “Obrigado! Alguma ajuda que precises, não hesites! Um abraço.”
Respondeste: “O senhor fez-me ver a vida de uma forma completamente diferente.”
E eu puxei por ti: “Quantos anos tens? E o que queres fazer na vida?”
Confesso que não sabia quem eras. A tua fotografia de perfil na rede social de onde me enviaste a mensagem não é clara. Contaram-me que, na ilha onde vives, estão a lidar problemas sérios de obesidade e de consumo excessivo de álcool e de tabaco por parte de alguns jovens da tua idade. E interessei-me. Interesso-me sempre que vejo jovens a desperdiçarem (há quem lhe chame aproveitar) a juventude destruindo a saúde. És da idade do meu filho. Podias ser meu filho. Interessei-me, claro!
Falaste-me dos teus projetos e sonhos. Aconselhei-te de acordo com aquilo em que acredito. Sugeri, por exemplo, que lesses o magnífico livro O Homem em Busca de Um Sentido, de Viktor Frankl, que citei na minha palestra. Acho que toda a gente o devia ler. E quem o leu, concorda comigo. E quem o vier a ler também vai concordar. O problema é que nem toda a gente sabe que este livro existe e o que devia ler. Mas tu já sabes. Não tens desculpa, por isso, não te esqueças de o fazer.
Quando me despedi de ti, pedi-te que me mantivesses a par do teu processo e progressos e ofereci a minha ajuda para o que precisasses.
A tua resposta: “Eu sei que não sou grande ajuda para nada, mas o senhor pode contar comigo.”
Nunca digas que que não és grande ajuda para nada. Todos somos ajuda para alguma coisa, meu amigo. Todos podemos fazer a diferença na vida de alguém em determinado momento. Procura fazer a diferença sempre que possas. Experimenta olhar à tua volta. Há sempre alguém que podes ajudar. Há sempre alguém a pedir ajuda, mesmo que não o verbalize. Carrega as compras de um desconhecido em dificuldades físicas, apanha um papel do chão e coloca-o no lixo, oferece o teu ombro a alguém que saibas que está triste, pergunta às pessoas como estão, sorri para elas, disponibiliza os teus ouvidos, o teu tempo e atenção. Às vezes, é só isso que é necessário.
Olha, queres um exemplo? Acabaste de me ajudar a escrever esta crónica, da qual és protagonista!
Se precisares da minha ajuda, dá notícias. Farei o mesmo se precisar da tua.
Obrigado, amigo, e até breve! Um forte abraço.
João da Silva
9/02/2024 – algures a sobrevoar o Atlântico