Unidade Local de Saúde São José quer contratar mais mediadores ciganos

Os únicos quadros de pessoal que consideram mediadores ciganos são os do Ministério da Educação e das autarquias. Nos hospitais, a carreira não é reconhecida.

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Bruno Oliveira é o único mediador cigano na Unidade Local de Saúde São José, o que o obriga a desmultiplicar-se todos os dias por três ou quatro hospitais LUSA/MANUEL DE ALMEIDA
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A Unidade Local de Saúde São José, em Lisboa denuncia a dificuldade em contratar mais mediadores ciganos por a carreira não ser reconhecida. Esta unidade integra, entre outras, os hospitais da Estefânia, Santa Marta, São José, Curry Cabral, Capuchos e a Maternidade Alfredo da Costa, e é a única em Lisboa na qual trabalha um mediador sociocultural cigano, que é um assistente operacional porque a carreira não está devidamente reconhecida.

Por ser o único mediador sociocultural a trabalhar naquela unidade local, Bruno Oliveira desdobra-se entre três ou quatro hospitais todos os dias, para desbloquear consultas, apaziguar ânimos ou diminuir ansiedades. Apesar de trabalhar há 20 anos, só desde há cerca de dois é que as suas funções de mediador sociocultural passaram a ser institucionalmente reconhecidas, no seguimento da criação da Comissão da Diversidade e Inclusão, em 2019.

Segundo a coordenadora desta comissão, a enfermeira Graça Quaresma, este organismo surgiu pela necessidade de rever procedimentos relativamente ao acesso de certos grupos vulneráveis aos cuidados de saúde do hospital, já que o facto de a unidade estar localizada no coração da cidade e de servir uma população bastante heterogénea faz com que os cuidados de saúde tenham de ter em conta a diversidade intercultural.

Em 2023, o mediador sociocultural cigano desenvolveu quase uma centena de actividades junto de famílias ciganas, tanto nas unidades de internamento como de urgência, sobretudo para ajudar com o cumprimento de regras, esclarecer dúvidas, descodificar a linguagem médica ou até articular com o pastor evangélico ou outro apoio espiritual.

Em entrevista à agência Lusa, Paulo Espiga, membro do conselho de administração da ULS sublinhou que ter um mediador cigano "é algo estratégico", tendo em conta a população que se dirige aos vários hospitais e que "tem uma determinada forma de estar na vida quando algum dos seus familiares está doente".

"Eu tenho que saber respeitar o espaço dos outros e ter um mediador, ter o Bruno neste caso, é algo que vai além desta questão do comportamento porque estamos a falar de uma população, os portugueses de etnia cigana, que têm um nível de literacia em saúde muito inferior à média", observou Paulo Espiga.

Porque "trazem resultados em saúde e níveis de saúde muitíssimo baixos, estas pessoas estão em desvantagem logo à partida", alertou aquele responsável.

"É absolutamente essencial termos um mediador porque de facto tira esta diferença, esta desvantagem que as pessoas tinham à partida e que muitas vezes gerava conflitos", sustentou, referindo que as pessoas chegam aos hospitais ansiosas e com medo, numa "instabilidade emocional muito grande, que ajuda a gerar conflito". O cenário agrava-se quando a isto se somam a baixa literacia, desconfianças e "preconceitos absolutamente enraizados", que, somados, levam a comportamentos que não são adequados.

"Isto gerava conflito e conflito leva a mais conflito e o trabalho que temos vindo a fazer com o Bruno é exactamente o de diminuir o conflito de algumas situações", explicou o responsável.

Mediadores reconhecidos só nas escolas e autarquias

Para Paulo Espiga, "é absolutamente estratégico e não contingencial" a aposta num mediador. Aquele responsável defende assim a necessidade de mais pessoas com esta função, "não tanto para a questão de conflito, mas para a questão de capacitar" as pessoas que se dirigem aos hospitais, para que percebam, por exemplo, por que razão vão a uma consulta ou por que é que não são imediatamente atendidas, por exemplo.

"Muitas vezes não sabiam [navegar no sistema] e achavam que isto era contra elas por serem ciganas. Não, era para elas como era para qualquer outro que não soubesse perguntar", apontou, explicando que, apesar da importância da função, não pode contratar mais mediadores porque a carreira não existe e a função não é devidamente reconhecida, o que obriga o actual e único a dividir-se por seis hospitais.

Segundo Paulo Espiga, os únicos quadros de pessoal que consideram mediadores ciganos são os do Ministério da Educação e das autarquias, que são autónomos, apontando que terá de ser a entidade responsável pelo emprego público "a prever que nos quadros de pessoal, neste caso da saúde, possam existir mediadores" e desbloquear a actual situação.