Pode ser olhado como um modelo ultra-sofisticado de enoturismo, ou até como mirabolante interpretação do conceito de terroir, mas a componente vitícola que acolhe o projecto para o novo terminal internacional do Aeroporto de Florença, na Toscana, tem, sobretudo, uma virtude. Vai focar ainda mais os holofotes nos vinhos da região e reforçar a importância estratégica do enoturismo para o futuro do sector.

Se é um acaso, se foi assim pensado e planeado, ou trata-se tão-só de um rasgo visionário dos projectistas, não é o mais importante. É bem visto, e isso obriga-nos a pensar também um pouco sobre a forma como por cá deveríamos olhar para a evolução do enoturismo.

Num ápice, com a bênção dos turistas, representa em Portugal já mais de 20% da facturação global do sector vitivinícola, mas tudo é ainda olhado apenas como uma agradável surpresa. Nem temos sequer legislação que enquadre a actividade, muito menos estratégia, projectos ou planeamento. É, por enquanto, um mundo dos produtores, da iniciativa das quintas e herdades onde o fenómeno se fecha, mas falho de qualquer linha de rumo ou visão estratégica global. A começar pelos acessos, que é, afinal, por onde chegam os turistas.


(imagem de projecto: Rafael Viñoly Architects)

E nem é preciso elaborar muito ou pensar em aterragens nas vinhas. Basta olhar para o coração do Douro, o desleixo burocrático com que é olhada a sua principal artéria, a marginal entre Régua e Pinhão ou a ferrovia que pousa sobre a margem oposta. Com o fenómeno dos turistas, estes percursos já não são mais um qualquer pedaço da linha do Douro ou da paupérrima rede viária secundária.

São o centro nevrálgico da região vinhateira que está mundialmente na moda. Os boulevard de acesso às vinhas, adegas, quintas e paisagens que turistas de todo o mundo anseiam visitar, mas onde não é cómodo nem fácil circular. Muito menos ainda quando o objectivo é desfrutar da paisagem, vivenciar o local. Com excepção de um pequeno oásis de arranjo e ordenamento, à boleia do cais de Folgosa, a estrada não tem bermas, marcações, pontos de paragem ou aparcamento. Um susto para quem arrisque viajar de noite, para já não falar dos riscos de derrocadas que frequentemente condicionam a circulação.

E isto perdura quando a estrada já foi considerada pelos mais influentes meios como a mais bela do mundo para jornadas turísticas, quando quintas como Seixo, São Luís, Tedo, Pôpa ou Bonfim – só para citar algumas – investiram fortemente nos seus projectos de enoturismo e onde se concentra também já um punhado de restaurantes gastronómicos, três deles com chefes Michelin.

Pior ainda com a via-férrea. Abandonada décadas a fio, a circulação é errática e não é possível sequer programar qualquer visita pelas históricas quintas que deveria servir. Pior ainda: quando projectos enoturísticos,​ com o suporte de operadores como a Quinta do Crasto e a Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, quiseram englobar ferrovia e o apeadeiro do Ferrão, não foram autorizados. O investimento ali feito está, literalmente, ao abandono!

Tudo isto mostra como seria útil e vantajoso que se pensasse a sério e de forma abrangente numa estratégia para o enoturismo. Já não é coisa de localismos, visões parcelares ou de curto prazo. É o mundo inteiro e uma actividade em frenético crescimento e cada vez mais importante para as receitas públicas que o reclamam.

E nem é preciso olhar para a Toscana. Ver como nas últimas décadas do século passado se tornou no destino de ouro do turismo mundial, cenário dos mais variados filmes, destino de sonho de todos os viajantes. E com isso a fama, prestígio e preços galopantes dos seus vinhos, um caminho que, pelo menos para o Douro, já é mais ou menos incontornável.

É, pois, urgente criar condições para que os turistas lá possam "aterrar". E é isso que metaforicamente sugere o arrojado design projecto para o aeroporto de Florença, que prevê a criação de uma vinha na cobertura do seu novo terminal.

Sim, um telhado verde, que será nada menos que uma vinha com 7,6 hectares. O projecto detalha que serão 38 fileiras de videiras, estão já calculados todos os desafios que coloca o seu cultivo e irrigação e contratado o viticultor que vai produzir os vinhos. E passa não só pelo telhado, já sob a aerogare será também instalada a adega e caves para o envelhecimento dos vinhos. A ver vamos se este se mostrará também como um terroir único.