Em Paris, a cerimónia de abertura dos Jogos arrasou a vulgaridade
Mais foguete, menos foguete, mais falsete, menos falsete, as cerimónias não variavam muito – até chegar Paris, com um conceito inovador. Foi a mais brilhante da história ou uma inovação sensaborona?
Quando é batido um recorde do mundo ou um recorde olímpico – e muitos serão batidos em Paris –, celebra-se a chegada desse atleta a um novo patamar. Num retrato do espírito olímpico, glorifica-se a superação de quem fez o que nenhum outro tinha sabido fazer antes. Nesta sexta-feira, Paris também pode ter batido um recorde olímpico: o da cerimónia de abertura mais disruptiva da história.
Paris quis juntar cena e Sena num conceito único, caminhando na linha sempre muito ténue entre o sublime e o bizarro, a inovação e o exagero, a extravagância e o grotesco. Quis caminhar nesse precipício, prestou-se ao limbo e ganha os pontos todos da inovação, embora fique por provar se conseguiu os do espectáculo.
Antes dos Jogos, disse-se algo na redacção do PÚBLICO. “Queres fazer tu a cerimónia? Já que ainda não fizeste nenhuma...”. A premissa baseava-se na estreia olímpica de um jornalista, sim, mas não só: tinha uma forte componente de aborrecimento para quem já tinha escrito sobre as anteriores – atletas desfilam durante horas, figuras discursam e artistas actuam. Mais foguete, menos foguete, mais falsete, menos falsete, a coisa não variava muito – até chegar Paris.
26 de Julho de 2024 pode ficar marcado como o dia que elevou para um novo patamar o imaginário das cerimónias de abertura de Jogos Olímpicos.
Desfile de barco
Vamos a factos. Sim, Paris “obrigou” os parisienses a fugirem da cidade. Sim, Paris derrapou o orçamento dos Jogos. Sim, Paris tem uma pegada ecológica pouco elogiável. Sim, Paris está em desfigurada pelos protocolos de segurança. Sim, Paris terá tirado da cidade pessoas indesejadas. Sim, Paris terá de provar que o Sena tem águas boas para nadadores.
Mas no que diz respeito ao Sena como cena, e não como água, a história é outra. O lado cénico da coreografia e do espectáculo pode não ter convencido todos, e é possível que nisso se tenha perdido qualquer coisa no caminho entre Tóquio e Paris, mas o rio Sena e a capital francesa têm tudo para ficar como palco da cerimónia que mudou o paradigma de abertura dos Jogos Olímpicos.
Em Paris, não houve o já batido desfile de atletas, com os seus trajes, e dois cabeças-de-cartaz por país a comandarem a trupe, a pé, de bandeira nacional em riste.
A ideia foi fazê-los desfilar, mas levados por barcos. Uma por uma, comandadas como sempre pela Grécia, fundadora das olimpíadas, as embarcações percorreram seis quilómetros de Sena, com passagens por locais icónicos da cidade.
Navegaram em torno do Louvre, da Torre Eiffel, da Concórdia, de Invalides, do Grande Palais ou de Notre-Dame, com partida em Austerlitz e chegada ao Trocadéro. Era difícil encontrar melhor cenário.
“Nunca vi uma coisa assim”, dizia um espectador junto à zona da imprensa. E provavelmente não voltará a ver. Ou talvez veja – Estados Unidos e Austrália não são propriamente países inábeis na arte de criar. Mas será difícil. Los Angeles e Brisbane, boa sorte.
Tudo calmo
Nos costumes, a Mongólia recebeu a primeira medalha de ouro destes Jogos Olímpicos. E não é uma surpresa. Já se sabia que o país asiático tinha desenhado vestimentas diferentes do habitual e foi para a Mongólia um bom destaque visual. O Brunei, por outro lado, deu um bom "boneco" televisivo, viajando numa pequena embarcação condizente com o tamanho da comitiva.
Antes disso, já Zinedine Zidane tinha recebido uma ovação – e das grandes –, como responsável pelo labor de guiar a tocha olímpica no início da cerimónia. Mas não foi o momento imponente que se esperava, tal como a actuação de Lady Gaga, que pareceu ter ficado abaixo do possível para a artista.
O que ficou acima do esperado foi o sempre tão aguardado momento de acender a pira olímpica. Acesa na base de um balão de ar quente ela ficará a pairar nos céus de Paris para que, enquanto os Jogos durarem, todos a vejam.
A nível de segurança, a cerimónia foi o que se esperava – e desejava. Numa primeira fase, um caos de acesso, com as tremendas restrições de segurança – a título de exemplo, o último autocarro com jornalistas partiu do centro de imprensa às 16h30, três horas antes da cerimónia, para que nada falhasse. Mas nada disto foi surpreendente, sobretudo para quem tinha visto e sentido os protocolos policiais nos últimos dias.
O que talvez tenha surpreendido é que tudo se passou sem especiais incidentes. Até ver, não houve ataque terrorista, nem mesmo com ameaças a solo que preocupavam as autoridades, e parece ter sido um fim de tarde relativamente tranquilo.
Passado o dia da abertura, espera-se que Paris entre na normalidade – dentro do possível. O que é dito por cá é que vão ser reduzidos os protocolos policiais e o controlo tão apertado dos acessos às zonas críticas – bem como a algumas estações.
Se assim for, será possível termos uma cidade a organizar um evento desportivo com tranquilidade, como outras já fizeram com sucesso. Até agora, tem sido um frenesim policial. E talvez tenha sido ele a garantir a paz.