Rumo a 10 de março, os partidos libertam as suas escolhas para as listas que irão ocupar o Parlamento. Há regras a cumprir: em 2019 a Lei da Paridade foi revista, e desde aí que cada lista apresentada à Assembleia da República, ao Parlamento Europeu, às autarquias e às juntas de freguesia tem de ter uma “representação mínima de 40% de cada um dos sexos”, não podendo ser “colocados mais de dois candidatos do mesmo sexo, consecutivamente, na ordenação da lista”.
Esta lei tem dois pontos importantes a reter: primeiro, em nenhum momento se fala em ter 40% de mulheres — fala-se em sexo e, por isso, se os partidos assim o desejarem, podem ter 60% de mulheres e 40% de homens. Depois, a segunda parte da lei pretende garantir que os dois sexos estão em lugares elegíveis e que não são relegados para o fim da lista, o que anularia o propósito da lei.
Volta e meia, acende-se o debate sobre a justificação das quotas. É muito simples: vem reparar uma invisibilidade histórica, vem romper com a eternização dos clubes de homens que constantemente se nomeiam uns aos outros, vem dar espaço para que mulheres mostrem as suas capacidades. “Mas e se forem incompetentes?”, perguntam os mais céticos. As quotas vêm também permitir que se possa errar e continuar, um poder que parece já ter nascido com os privilegiados que naturalmente ocupam os lugares — neste caso, os homens brancos de meia-idade.
Sim, haverá mulheres pouco competentes em lugares de destaque que são filhas das quotas, tal como há homens com poder cujos critérios para lá estar não passaram pelo inexcedível percurso ou brio. As quotas vêm também curar o conceito da meritocracia, que já se provou ser vazio numa sociedade em que não partimos todos do mesmo lugar. A corrida nunca será igual para o rico ou para o pobre — chegarem os dois ao mesmo ponto é a exceção, não a regra.
A prova de que as quotas são necessárias é que, sem elas, as mulheres continuam a estar mais longe dos holofotes do que os homens. Não há lei nacional para a paridade nos órgãos internos dos partidos, ficando à disposição de cada estrutura. E, surpresa das surpresas, os partidos que não têm quotas de género internas têm menos mulheres a fazer parte da estrutura.
As quotas são regras para acelerar um processo que iria demorar ainda mais tempo a resolver-se, porque envolve desafiar dinâmicas familiares e estruturas de poder, alterar o modus operandi das empresas, estimular a educação das crianças e jovens para a igualdade, envolver os media na representação de modelos de diversidade, entre outros fatores.
As manchetes do futuro continuarão a destacar a desigualdade ainda presente. Portugal teve apenas uma primeira-ministra, Maria de Lourdes Pintassilgo, que foi indigitada pelo ex-Presidente da República Ramalho Eanes e esteve no cargo cerca de seis meses. Nunca teve uma mulher Presidente da República, sendo que só em 2016 é que surgiram duas mulheres candidatas ao cargo. Hoje, em vésperas de eleições legislativas, dos oito protagonistas políticos, apenas dois são mulheres. Tudo isto com uma lei que tenta forçar a igualdade. O que seria da política sem ela?