Não vamos a lado nenhum, quando não sabemos a direcção por onde ir

Um mundo de acções, funções, propósitos, desgarrados e apenas ligados por fios muito frágeis constitui a actualidade da escola.

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O que é preciso fazer para ficarmos bem colocados no PISA? Nelson Garrido/Arquivo
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O que marca o passo na escola? Quero dizer, qual é a estrela que norteia a educação? Ainda no rescaldo dos resultados do PISA, a reflexão sobre os mesmos pode ser feita de diversas perspectivas e por aí retiradas conclusões ou pistas para novas reflexões.

Os resultados desceram e a atribuição das responsabilidades a factores externos à escola tem sido evidente. A pandemia, a mobilidade e os imigrantes, antes de tudo isto a troika e por aí fora, o enumerar de uma série de justificações para salvaguardar o trabalho de vários ministros da Educação e “por as culpas nas costas largas” de situações adversas e de âmbito geral, para as quais as medidas tomadas na educação não contribuíram para o sucesso de forma eficaz.

Atualmente continuamos na busca da eficácia das escolas, no sentido de lhes atribuir qualidade quando garantem o acesso e sucesso para todos. A medida mais visível de regulação desta premissa é feita a posteriori, como é o caso do PISA.

O que é preciso fazer para ficarmos bem colocados no PISA? Ou seja, procurar fazer como fazem as escolas que ficam bem colocadas no PISA e noutros estudos do género. O que é facto é que não é possível gerir uma escola com base em benchmarking. As práticas ditas ‘boas’ de uns, não serão certamente para outros. Isto significa que o que funciona como estratégia de sucesso numa escola, pode não funcionar noutra, ou é mesmo quase certo que não funciona. Só quem nunca esteve na escola ou apenas numa escola é que ainda vê o mundo como ‘a minha ervilha’. A diversidade de contextos leva a que as estratégias de atuação para alcançar o sucesso não possam ser padronizada, uma vez que não existem duas escolas iguais e, por isso, a poderem ser objecto das mesmas medidas.

O PISA não pode servir para nos levar a, primeiro, justificarmos de forma apaziguada, os maus resultados com factores externos e a normalizar uma situação dando como resposta que ‘há uma descida generalizada’. Uma situação como esta deve levar-nos a pensar que temos entre mãos o resultado de políticas educativas que não só desinstitucionalizaram e portanto desvalorizaram a profissão docente, o que tem tido claras consequências nefastas para o sector, como tem atribuído à escola a responsabilidade, não de solucionar, como alguns pensam, mas de mitigar, problemas sociais.

A inclusão, que parece ter de acontecer a todo o custo, faz-se ao ‘faz de conta’, e apenas alguns conseguem ter dela aquilo que na realidade precisam, pois na maioria das vezes é, mais uma vez, a falta de respostas sociais que está em causa. Todo este mundo de acções, funções, propósitos, desgarrados e apenas ligados por fios muito frágeis constitui a actualidade da escola.

O que nos norteia? Quem consegue perceber qual é o rumo? Que mecanismos existem para ajudar a clarificar situações com a maior objectividade possível dentro de tantas necessidades? A escola tem vindo a colaborar no atirar com areia para os olhos de muitos problemas, como a falta de apoios especializados para crianças que se enquadram no Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho. Na verdade, muitas crianças ao abrigo deste decreto, não conseguem progredir de forma significativa, e passam os seus dias na escola, na Unidade de Apoio Especializado ou mesmo quando vão às aulas, tem adaptações de tal ordem, que o benefício é claramente do ponto de vista social e não da aprendizagem, sobrecarregando os professores com medidas, instrumentos de aferição e avaliação adaptados, fichas e documentos para preencher, em que a burocracia não tem fim e que se generalizou a todos os alunos, entendendo em sentido lato, que todos somos diferentes e especiais. Nada mais verdade. Mas se somos todos especiais porque não se dá a devida atenção a quem quer estudar de verdade?

Outra grande questão é o ‘fazer bonito’ da Ação Social Escolar, em que mais uma vez, através da escola se tenta mascarar os baixos rendimentos das famílias e a falta de apoio social. É disso um exemplo significativo o garantir da alimentação, manuais e material escolar aos alunos mais carenciados. Existe um grave problema de salários baixos na nossa sociedade e de fraco poder de compra das famílias, que não conseguem fazer face, entre outras situações, às necessidades dos filhos, e que a escola tem sido o meio de operacionalizar estratégias de mitigação dessas situações.

Estas não são as funções primordiais da escola, por muito meritórias que sejam. A principal função da escola é proporcionar conhecimento efectivo, aprendizagens significativas e acesso à cultura, para que possam progredir (também) socialmente. Não é clara a direcção para onde vai o barco em que navegamos nestas altas ondas, mas navegamos na mesma. Não vamos a lado nenhum, quando não sabemos para onde ir.

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