Os produtores italianos são dos que mais têm resistido à diabolização do vinho e à envolvência do sector no pacote das advertências de saúde contra as bebidas alcoólicas em toda a União Europeia (UE). Foram pedir o apoio do Papa Francisco, que não se fez rogado, vincando que, longe do pecado, o vinho é um dom de Deus e deve encarado como fonte de felicidade.

Prova de que Roma sempre esteve do lado do vinho é também um estudo científico agora publicado e que dá conta de que, já no seu tempo, os romanos dominavam a enologia, controlando factores como o aspecto, aromas e sabores dos vinhos daquela época.

Publicado pela revista Antiquity, uma publicação da Universidade de Cambridge especializada em arqueologia, o trabalho parte do estudo dos dolia, os potes de barro onde os romanos vinificavam e guardavam os seus vinhos, identificando depois vários pontos de contacto com a enologia moderna.

Partindo das diversas formas, composição da argila, do tamanho e do modo como eram enterrados, os investigadores são levados por caminhos que apontam para que, já nesses tempos, se procurassem controlar as temperaturas, o contacto com as películas, os processos de fermentação e oxidação e, com tudo isso, também o impacto na aparência, cheiro e sabor dos vinhos antigos.

Longe de serem meros recipientes de armazenamento, os dolia eram concebidos com precisão, cuja composição, tamanho e forma contribuíram para o sucesso da produção de diversos vinhos com características organolépticas específicas. Daí que os investigadores se questionem sobre se os dolia romanos não seriam um modelo adaptado a partir dos qvevri, os recipientes já antes utilizados na zona da Geórgia, onde há oito mil anos terá nascido a prática de fermentar as uvas.

A conclusão é de que, comparando o modo de fermentação que era utilizado com os qvevri com o utilizado com os dolia, este era "notavelmente semelhante". O que nem será de admirar, tendo em conta que a região onde se situa a Geórgia esteve sob o domínio romano entre o século I a.C. e o século VII d.C. A partir de Roma a cultura do vinho difundiu-se depois por toda a bacia do Mediterrâneo, num modelo que se preserva até hoje em regiões como o Alentejo, onde sobreviveu a tradição dos vinhos feitos na talha.

É essa cultura milenar, a importância e envolvência social do vinho, que os produtores italianos querem ver separada das teses de perigos e malefícios indiscriminadamente associadas ao consumo do álcool. E é por isso que os italianos foram ao encontro do Papa, que, segundo o relato do diário inglês The Guardian, recebeu há uma semana no Palácio Apostólico Vaticano um grupo de 100 produtores de vinho.

O encontro teve lugar no âmbito do debate sobre "A economia de São Francisco e o mundo do vinho italiano" promovido pela Vinitaly, a maior feira de vinhos de Itália, precisamente para refutar os propósitos da UE de incluir o vinho nas advertências sobre os malefícios para a saúde a incluir na rotulagem das garrafas.

O vinho é um dom de Deus, confortou-os o Papa, frisando, no entanto, deverá ser sempre democrático e consumido com moderação. Foi-nos confiado pelo Criador para que o possamos converter numa verdadeira fonte de alegria para todos e não só para aqueles que têm mais oportunidades, terá dito ainda aos produtores, a quem pediu responsabilidade ética e moral, respeito pelo trabalho e pelo meio ambiente, e hábitos de consumo moderado.

Mesmo que ainda não haja queixas ou alarme por parte dos produtores portugueses, por cá, vão surgindo também ideias que vão ao encontro das tais teorias de malefícios e diabolização, como se isso decorresse do próprio vinho e não do seu consumo desregrado. A mais recente — que passou mais ou menos despercebida — foi lançada no Congresso dos Jornalistas, propondo o aumento do IVA sobre o vinho para financiar os meios de informação. Se algum mérito poderá ter é o de ajudar a perceber como o jornalismo chegou até à situação actual.