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Bem-vindos à “praça ambígua” de Olga Roriz
Depois de ter passado por vários teatros do país, o espectáculo A hora em que não sabíamos nada uns dos outros chega esta sexta-feira ao Teatro Nacional São João, no Porto, onde fica até domingo.
O autor austríaco Peter Handke sentou-se um dia numa esplanada a observar uma praça. “A ver a vida a passar”, diz a coreógrafa Olga Roriz. Daí nasceu, em 1992, A hora em que não sabíamos nada uns dos outros, uma peça sem diálogos e sem vozes, só com didascálias e descrições “das personagens e dos grupos” que passam pelo espaço. Estas pessoas não são só indivíduos reais, são também “personagens que [o autor] começou a imaginar”.
Vários artistas decidiram dar vida ao texto. Pegaram na peça e adaptaram-na ipsis verbis. Olga Roriz não quis fazer o mesmo. “Comecei a pensar que gostaria de fazer um trabalho com não-profissionais, com a comunidade local”. A coreógrafa abordou Peter Handke para perceber se podia “trazer a peça para a contemporaneidade” e assim o fez. O espectáculo estreou-se no ano passado e chega esta sexta-feira ao Teatro Nacional São João, onde fica até domingo.
Tal como Peter Handke fez, neste espectáculo o público é convidado a observar uma praça e a decifrar aqueles que por lá passam. O palco acolhe um cenário cavernoso, negro, vulcânico: uma “gruta” que se agita por causa de todos que por ali passeiam. Ora aparece um desportista, um velho, um mendigo, uma noiva, turistas, imigrantes, grávidas, entre muitos outros. Na verdade, "há personagens claras, mas em metade do tempo o público vai pensar 'o que é aquilo?'”, explica Olga Roriz. Para a coreógrafa, esta é uma praça “ambígua” na qual o público tem "liberdade para interpretar o que está a ver” e para “criar o seu próprio espaço”.
Durante A hora em que não sabíamos nada uns dos outros, o público vai ser confrontado por vários tipos de pessoas que pode reconhecer, ou não, do seu dia-a-dia. De cena para cena, a praça vai recebendo novas personagens e modifica-se em função das mesmas. E é com estas chegadas e saídas que os espectadores serão levados a reflectir sobre este local e sobre como esta praça evolui ao longo dos anos, aponta Olga Roriz.
As intervenções silenciosas, regidas à base de falas insonorizadas, o guarda-roupa e os adereços servem como pistas para que os sujeitos sejam reconhecidos. Apesar da inexistência de diálogos e de discursos aparentes, todos os corpos que passam por aquela praça parecem dizer algo. Tendo em conta que grande parte destas personagens são fruto da interpretação que Olga Roriz faz da obra de Peter Handke, a coreógrafa admite que os espectadores poderão estar a olhar para “a praça de Olga”. “É um bocadinho a minha praça, mas a minha praça é ambígua, [portanto] todos podem ter a sua quota de criatividade."
Ao todo existem 450 personagens e, desta vez, vão ser interpretadas por 29 pessoas. Apenas oito - António Bollaño, Dinis Duarte, Gaya de Medeiros, Leonor Alecrim, Marta Jardim, Marta Lobato Faria, Roge Costa e Yonel Serrano - são bailarinos profissionais. Os restantes são cidadãos do Porto, dos quais a maioria “nunca entrou em palco”. De cidade para cidade, os participantes vão sendo convidados a juntar-se aos artistas da Companhia Olga Roriz. Por isso mesmo, a coreógrafa vê os diferentes espectáculos como "uma estreia".
Nos próximos meses, A hora em que não sabíamos nada uns dos outros vai passar também por Coimbra, Viana do Castelo, Évora e Lisboa.