Um autarca e dois homens de negócios. Quem são os detidos na Madeira?

Autarca do Funchal era braço direito de Albuquerque. Agora está numa teia de suspeitas de corrupção que envolvem um dos maiores construtores da Madeira: Avelino Farinha além de outro empresário.

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Pedro Calado, presidente da Câmara Municipal do Funchal, foi detido durante as buscas na autarquia Homem de Gouveia/LUSA
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A notícia surgiu logo de manhã: as obras públicas e adjudicações directas no arquipélago da Madeira estavam a ser palco de suspeitas de corrupção pelo Ministério Público e a Polícia Judiciária estava no terreno à procura das provas. Ao fim da manhã, chegou a confirmação que soava havia horas nas redacções: a megaoperação que colocou o Funchal no centro dos acontecimentos esta quarta-feira tinha culminado em três detenções. Entre os detidos está um autarca (Pedro Calado) e dois empresários (Avelino Farinha e Custódio Correia).

Pedro Calado, o n.º 2 que chegou a presidente da câmara

Naquele ano, 2017, Pedro Calado foi braço direito por duas vezes — e por duas vezes isso se tornou num marco para a sua vida. Primeiro, foi em Agosto de 2017, quando venceu, ao lado do piloto Alexandre Camacho, o Rali Vinho da Madeira pela primeira vez — uma proeza que se repetiria no ano seguinte e em 2019. E depois porque, dois meses mais tarde, se tornaria vice-presidente do XII Governo Regional da Madeira, liderado por Miguel Albuquerque.

Por esta altura, o agora autarca do Funchal já acumulava um currículo na gestão de empresas e bancos tão sonantes como a KPMG, o Banco Espírito Santo e a Caixa Geral de Depósitos. Chegou até a ser director-geral da Previsão, uma empresa de contabilidade que se dedicava também à formação profissional. Em 2013, ainda antes de ter entrado no governo regional, trabalhou no grupo empresarial AFA, um gigante da construção na Madeira.

Foi assim durante oito anos, com um pé na actividade privada, através do grupo AFA, detentor dos hotéis Savoy, e outro na cúpula do governo da Madeira. A candidatura à Câmara Municipal do Funchal, em 2021, tirou Pedro Calado dos dois cargos, levando-o para corredores que conhecia bem: já tinha sido vereador no Funchal de 2005 a 2013 e foi também vice-presidente da autarquia entre 2012 e 2013.

Avelino Farinha, o madeirense que está em todo o lado

Avelino Farinha e Pedro Calado têm três coisas em comum. A primeira é que a história profissional de ambos se cruza no grupo AFA, fruto de uma empresa que o antigo topógrafo do Gabinete de Apoio às Autarquias Locais e da Câmara Municipal da Calheta constituiu com 20 anos de idade. O AFA está em todo o lado na Madeira, da construção civil e obras públicas à hotelaria, do imobiliário à comunicação social, do tratamento de resíduos à aviação executiva e à concessão rodoviária.

O segundo ponto em comum é que ambos são apreciadores de desporto. Avelino Farinha, galardoado com a Estrelícia Dourada em 1992 e com o Cordão Autonómico de Bons Serviços em 2012, pela importância que o grupo AFA tem no tecido económico e empresarial da Madeira, tem criado e dirigido o Clube de Ténis, o Clube Naval e o Estrela da Calheta Futebol Clube. Há 14 anos que é também o presidente da Associação dos Industriais de Construção do Arquipélago da Madeira.

O terceiro ponto materializou-se ao início desta tarde, às 14h15, quando ambos foram detidos pela Polícia Judiciária no âmbito de um processo que levou à realização de buscas em todo o país — até mesmo na casa do presidente do governo regional, Miguel Albuquerque. Alguns negócios estabelecidos pelo grupo AFA (sobretudo as obras públicas e as adjudicações directas) estão sob suspeita do Ministério Público, que desconfia de favorecimentos com Avelino Farinha e Pedro Calado como protagonistas.

O percurso de Farinha cruza igualmente com o de outro dos detidos, Custódio Correia, parceiro de negócios num megaprojecto imobiliário, no Funchal.

Custódio Correia, construtor e investidor imobiliário

O empresário Custódio Correia fundou há quase 20 anos o grupo Socicorreia, que tem como área principal o investimento imobiliário e a construção de luxo. Apesar de ser natural de Braga, o construtor investiu não apenas na terra natal, mas em Lisboa, na Madeira e, mais recentemente, nos Açores. Expandiu igualmente os negócios para a área do turismo, com a abertura de um alojamento local de luxo, em Braga.

Filho do empresário bracarense Arlindo Correia, já falecido, mantém uma relação conflituosa com grande parte da família. Os problemas com a Justiça já não são de agora, tendo sido um dos 126 acusados da mega fraude com fundos europeus centrada na Associação Industrial do Minho, actualmente em julgamento. Aí responde, a par de um irmão, por fraude na obtenção de subsídio, branqueamento de capitais e falsificação de documento. Também a Socicorreia Engenharia S.A. foi acusada.

Na última revista do grupo, referente ao último semestre de 2022, contabiliza-se que desde 2004 foram investidos 246 milhões de euros em projectos já concluídos, tendo desenvolvido 35 empreendimentos residenciais, 24 dos quais na Madeira. O balanço precisa que o grupo conta com 100 colaboradores, 70 dos quais se encontram na Madeira.

As boas relações de Custódio Correia com o poder político daquela região autónoma ficam expostas na capa da edição de Dezembro de 2021 da revista do grupo, onde surgem três caras destacadas: o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, o presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado e o antigo presidente do governo regional, Alberto João Jardim.

Este último assina um artigo que merece uma chamada na primeira página, sob o título: “Alberto João Jardim enaltece trabalho da Socicorreia na região madeirense”. No texto, o antigo político assume-se como amigo de Custódio Correia e diz reconhecer-lhe “um papel decisivo nesta autêntica ‘revolução’ na beleza e ordenamento do território nos municípios onde decorrem os investimentos imobiliários”.

Na Madeira, Custódio Correia é parceiro de negócios do grupo Afa, de Avelino Farinha, outro dos detidos esta quarta-feira, no projecto Dubai na Madeira. Trata-se de um megaprojecto imobiliário residencial de 35 mil metros quadrados que estes apelidam como o “maior investimento privado na Região Autónoma da Madeira”, que implica aplicar um total de 250 milhões de euros.

Artigo actualizado às 20h35 com o perfil de Custódio Correia

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