PJ deteve presidente da Câmara do Funchal e dois construtores. Albuquerque constituído arguido

Câmara do Funchal alvo de buscas. Coligação do PSD-CDS para as eleições ia ser apresentada nesta quarta-feira mas foi cancelada.

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O Presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque Gregório Cunha
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A Polícia Judiciária deteve nesta quarta-feira o presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado, o empresário Avelino Farinha, líder do grupo AFA, e o presidente executivo do grupo Socicorreia, Custódio Correia. As detenções ocorreram ao início da tarde e já depois de se ter iniciado, logo de manhã, uma megaoperação de buscas que incluiu a casa do presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, entretanto constituído arguido, confirmou o PÚBLICO.

As buscas foram realizadas no âmbito de três inquéritos diferentes, que correm no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), e que têm todos ligação à Madeira. Em causa estão suspeitas de corrupção activa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência, adiantou a PJ. Uma nota do Ministério Público acrescenta suspeitas relativas ao crime de atentado contra o Estado de direito.

As investigações incidem sobre "dezenas de adjudicações em concursos públicos" que valem "várias centenas de milhões de euros", adiantou o DCIAP, no comunicado.

Miguel Albuquerque cancelou a agenda desta manhã, mas retomou-a ao início da tarde e falou aos jornalistas na Quinta Vigia, residência oficial do presidente do Governo da Madeira, às 16h30. Luís Montenegro, líder do PSD, prestou declarações às 17h. A apresentação da coligação PSD/CDS-PP, que estava agendada para esta quarta-feira às 18h, foi cancelada. Ainda não há uma nova data para o evento.

Ainda de manhã, fonte oficial da Câmara do Funchal confirmava as buscas na autarquia. "A Câmara Municipal do Funchal informa que um grupo de inspectores da Polícia Judiciária deu entrada nesta manhã nas instalações do edifício dos Paços do Concelho, para a realização de buscas", lê-se num comunicado divulgado pela autarquia (PSD/CDS-PP).

No documento, o município, presidido pelo social-democrata Pedro Calado — um dos detidos desta tarde — acrescenta que "está a colaborar na investigação em curso e a prestar toda a informação solicitada, num espírito de boa cooperação".

De acordo com a Polícia Judiciária, estão em causa "factos susceptíveis de enquadrar eventuais práticas ilícitas, conexas com a adjudicação de contratos públicos de aquisição de bens e serviços, em troca de financiamento de actividade privada", assim como "suspeitas de patrocínio de actividade privada tendo por contrapartida o apoio e intervenção na adjudicação de procedimentos concursais a sociedades comerciais determinadas".

Além disso, as autoridades desconfiam de uma "adjudicação de contratos públicos de empreitadas de obras de construção civil, em benefício ilegítimo de concretas sociedades comerciais e em prejuízo dos restantes concorrentes, com grave deturpação das regras de contratação pública, em troca do financiamento de actividade de natureza política e de despesas pessoais".

As buscas decorreram em 60 locais com 130 mandatos — não só no arquipélago da Madeira (45 locais), como também nos Açores (Ponta Delgada) e em Portugal continental. Houve diligências no Funchal, Câmara de Lobos, Machico e Ribeira Brava; em Oeiras, Linda-a-Velha, Porto Salvo, Bucelas e Lisboa; em Braga, Porto, Paredes, Aguiar da Beira.

A teia que liga Albuquerque, o autarca do Funchal e os grandes empresários da Madeira

O Ministério Público suspeita de que Pedro Calado tem um pacto de favorecimento com o grupo empresarial AFA, detentor dos hotéis Savoy, onde o agora autarca do Funchal (e um dos possíveis sucessores de Miguel Albuquerque no PSD-Madeira) chegou a trabalhar antes de ser vice-presidente do governo regional.

Uma suspeita semelhante recai sobre o presidente do governo regional. O Ministério Público desconfia que Miguel Albuquerque tenha participações no fundo imobiliário que comprou uma quinta do próprio presidente do governo regional — a Quinta dos Arcos — em 2017 por 3,5 milhões de euros, alegadamente pagos em actos corruptivos.

Outro negócio que está sob a investigação da Polícia Judiciária e do Ministério Público é a concessão, por ajuste directo, da exploração da Zona Franca ao grupo Pestana — um negócio que o Tribunal de Contas considerou ter violado o princípio da concorrência e que tinha sido gerido por Pedro Calado.

É aqui que os dois casos se cruzam, acreditam as autoridades. A quinta comprada a Miguel Albuquerque passou então a ser explorada pelo grupo Pestana, que detém a maior parte do fundo imobiliário que a comprou — e isso terá acontecido na mesma altura em que o grupo hoteleiro viu renovada a concessão da Zona Franca da Madeira.

A operação envolveu dois juízes de instrução criminal, seis magistrados do Ministério Público e seis elementos do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da Procuradoria-Geral da República, assim como 270 investigadores criminais e peritos da Polícia Judiciária. A equipa foi transportada para a Madeira pela Força Aérea.

DCIAP confirma investigação sobre contratação pública e liberdade de imprensa

O DCIAP confirma que as investigações incidem sobre "a área da contratação pública" e sobre "o elevado número de contratos de empreitada celebrados pelo Governo Regional da Madeira e várias entidades públicas da região autónoma com empresas da região".

"Existem suspeitas de que titulares de cargos políticos do Governo Regional da Madeira e da Câmara Municipal do Funchal tenham favorecido indevidamente algumas sociedades/grupos em detrimento de outras ou, em alguns casos, de que tenham exercido influência com esse objectivo", avançou o Ministério Público.

As autoridades desconfiam, por exemplo, de que as sociedades tinham conhecimento prévio de projectos e dos critérios definidos para a adjudicação, dando-lhes vantagem para apresentar propostas mais vantajosas que as concorrentes. Uma das suspeitas recai sobre projectos na área do imobiliário e turismo que foram aprovados recentemente e que envolvem contratação pública ou autorizações e pareceres emitidos por organismos públicos.

Neste ponto, suspeita-se "de favorecimento dos adjudicatários e concessionários seleccionados, de violação de instrumentos legais de ordenamento do território e de regras dos contratos públicos, nalguns casos com o único propósito de mascarar contratações directas de empresas adjudicatárias".

Outro ângulo de investigação é o alegado pagamento, pelo governo regional, de "elevados montantes a coberto de uma transacção judicial" a uma empresa de construção e engenharia (a AFA). As autoridades suspeitam de que, nesse caso, foi "criada a aparência de um litígio entre as partes" enquanto ocorriam "adjudicações de contratos públicos de empreitadas de construção civil". Em causa está a adjudicação directa da concessão da Zona Franca à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, o fundo imobiliária detido em maioria pelo grupo Pestana.

O DCIAP acrescenta que a investigação incide também sobre "actuações que visariam condicionar/evitar a publicação de notícias prejudiciais à imagem do governo regional em jornais da região, em moldes que são susceptíveis de consubstanciar violação da liberdade de imprensa". Recorde-se que o grupo AFA adquiriu em 2017 a maioria do capital da empresa que detém o Jornal da Madeira. O grupo é igualmente dono das rádios Calheta e Santana.

Outro ponto do processo diz respeito a alegados benefícios obtidos por titulares de cargos políticos, por causa dessas funções, "que ultrapassam o socialmente aceitável".

PS-Madeira acompanha buscas "com preocupação"

O Partido Socialista (PS) da Madeira já reagiu às buscas: "É com grande preocupação que assistimos às buscas em curso que visam o presidente do governo regional e o presidente da Câmara Municipal do Funchal", diz o comunicado.

Paulo Cafôfo, presidente do PS-Madeira, diz que os socialistas aguardam pelo resultado da investigação, "confiantes de que a justiça apurará a verdade dos factos": "As suspeitas levantadas assumem particular gravidade, pelo que a Madeira e os madeirenses exigem um cabal esclarecimento da verdade. Estamos focados no nosso trabalho e na defesa dos interesses da região e dos madeirenses."

Dina Letra, coordenadora do Bloco de Esquerda na Madeira, também expressou "preocupação" sobre o caso — mas afirmou que não estava surpreendida. "As buscas não são surpreendentes tendo em conta todo o contexto que nós temos aqui e que vem sendo divulgado ao longo dos tempos e também por aquilo que nós sentimos na própria região, que há um claro favorecimento do governo regional, da Câmara Municipal do Funchal a grandes grupos económicos", disse em declarações à SIC Notícias.

No continente, André Ventura classificou como "muito graves" as suspeitas que recaem sobre Miguel Albuquerque e Pedro Calado; e quer saber se Luís Montenegro mantém a confiança no líder social-democrata madeirense. O presidente do Chega recordou o caso que culminou na demissão de António Costa e considerou: "A mesma bitola, vejo difícil que não se aplique a Miguel Albuquerque, sendo que ele é um dos principais suspeitos e fica muito difícil ter condições políticas."

Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal, pediu "uma investigação séria" e com "a brevidade possível" às suspeitas que recaem sobre o governo regional, apelando a que "se tomem as decisões que devam ser tomadas em funções das conclusões". "Miguel Albuquerque terá nas próximas horas de dar explicações e avaliar se tem ou não condições para continuar em funções", defendeu, convocando Montenegro a confirmar "se mantém ou não confiança política" no presidente do governo regional.

Caso remonta a 2017 e já tinha motivado buscas da PJ

A coincidência temporal destes negócios já estava a ser investigada em Março de 2021 pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal. Em causa estaria "uma eventual relação dessa adjudicação com a venda, a um fundo imobiliário, de um conjunto de imóveis onde se encontra instalada uma unidade turística".

Em 2017, a adjudicação directa da concessão da Zona Franca à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (nome do fundo detido maioritariamente pelo grupo Pestana) recebeu parecer negativo da Comissão Europeia, que defendia a realização de um concurso público. Dois anos mais tarde, chega então o parecer do Tribunal de Contas que vai ao encontro da posição europeia: o negócio estava "ferido de ilegalidade".

À luz do acordo firmado em 2017, a região passava a deter uma participação de 49% (em vez de apenas 25%) no fundo e os privados ficariam com 51% do capital. Em 2020, o governo madeirense comprou essa participação privada e a Sociedade de Desenvolvimento da Madeira​ passou a ter, desde 1 de Janeiro de 2021, apenas capitais públicos, em troca de 7,3 milhões de euros. Dois meses depois, o Ministério Público revelava uma investigação em torno dos negócios.

À época, o grupo Pestana afirmou que não era, nem nunca tinha sido, accionista da sociedade gestora do fundo. Disse também que não tinha participações no fundo que comprou a quinta de Miguel Albuquerque — era apenas inquilino da Quinta dos Arcos. "O fundo em questão é um fundo de investimento imobiliário aberto e o Grupo Pestana não é, nem nunca foi, accionista da sociedade gestora do fundo ou detentor de unidade de participação do referido fundo, sendo apenas inquilino”, dizia o comunicado.

A Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, por sua vez, sublinhou ter tido uma "conduta transparente em todos os actos" negociais e disse ver nas buscas da PJ "uma excelente oportunidade para que se conclua da legalidade e boa-fé" no processo. Volvidos três anos, quanto às buscas desta quarta-feira, a Câmara do Funchal foi a única parte envolvida que se pronunciou até agora sobre o caso.

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