PJ faz buscas no Governo Regional da Madeira
Processo incide sobre concessão da zona franca a empresa do Grupo Pestana e tem em Miguel Albuquerque o principal visado.
Elementos da Polícia Judiciária (PJ) efectuaram buscas, nesta quarta-feira, em várias repartições do Governo Regional da Madeira e à empresa Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM). Em causa, confirmou o Ministério Público, está a investigação de eventual relação entre a concessão do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), a zona franca da Madeira, por ajuste directo, àquela empresa do grupo Pestana, e a venda de um equipamento hoteleiro que pertencia ao presidente do governo regional ao mesmo grupo. O inquérito tem no líder do executivo madeirense, Miguel Albuquerque, o principal visado.
As buscas prolongaram-se durante todo o dia, com os inspectores a visitarem praticamente em simultâneo a sede da SDM, a empresa que tem a concessão do CINM, e a presidência e vice-presidência do governo regional.
Albuquerque, o social-democrata que lidera o governo madeirense de coligação PSD-DS, confirmou ao PÚBLICO as buscas, mas não se alongou, por o caso estar em segredo de justiça.
O executivo madeirense reagiu no final da noite, reafirmando o interesse em “esclarecer tudo o que há para esclarecer”, embora ressalve não o poder fazer, por o caso estar em segredo de justiça. Mesmo assim, adianta que, como é “seu dever”, esteve ao longo do dia em “estreita colaboração” com a PJ, apoiando-a na recolha de informação que a Judiciária “entendeu útil”. “Como já o havia feito em sede de Assembleia Legislativa Regional”, vinca a presidência do governo regional em comunicado, dizendo esperar “celeridade” na investigação, para que a verdade seja apurada. “E para que quaisquer dúvidas – ainda que vergonhosamente suscitadas por denúncias anónimas e com propósitos de baixa política claramente identificados – sejam devidamente esclarecidas”, acrescenta.
A investigação partiu de uma denúncia efectuada há dois anos ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), pelo antigo deputado independente no parlamento madeirense Gil Canha. Está relacionada com a coincidência temporal, em 2017, entre a renovação da concessão da zona franca à SDM, na altura controlada pelo grupo Pestana, e a venda por parte de Miguel Albuquerque de uma unidade de turismo rural, a Quinta do Arco, a um fundo imobiliário que integrava o portfólio do mesmo grupo Pestana.
A SDM ganhou a concessão da zona franca madeirense em 1987, por 30 anos. A licença foi renovada em 2017, por mais dez anos, por ajuste directo, apesar dos protestos da oposição, que defendia ou a gestão pública do centro de negócios ou a abertura de um concurso internacional. O executivo justificou a decisão com a necessidade de não afectar a confiança dos investidores internacionais na gestão do CINM, mas alterou a estrutura da sociedade e o modelo de negócio. O capital social do governo na SDM aumentou de 25% para 49% e a fatia das receitas cresceu de 10% para 15%.
A decisão, insistiu na altura o governo madeirense, foi sustentada por pareceres técnicos, mas não convenceu a Comissão Europeia, que, cinco meses depois, abriu um processo de infracção ao Estado português, por considerar que o prolongamento da concessão tinha de ter sido feito através de um concurso público internacional.
Perante as crescentes dúvidas de Bruxelas e a censura do Tribunal de Contas, o executivo madeirense procurou emendar a mão, “regionalizando” a concessionária, o que foi formalizado no início deste ano, quando a Madeira pagou 7,3 milhões de euros por 51% da SDM: 47,73% ao grupo Pestana e 3,41% a Francisco da Costa & Filhos (3,41%).
Essa aquisição também foi contestada pela oposição, que argumenta que bastaria ao governo cancelar a concessão do CINM à SDM, assumindo a gestão da zona franca.
Num curto comunicado, a SDM confirma nesta quarta-feira ter sido alvo de uma “diligência judicial” na sede no Funchal, determinada pelo DCIAP.
“A SDM está totalmente à disposição das autoridades no sentido de contribuir para o esclarecimento da verdade dos factos, como demonstrou durante a diligência hoje realizada”, adianta a empresa, reafirmando a “conduta transparente” em todos os actos praticados. A investigação, considera a empresa, é uma excelente oportunidade para atestar a legalidade e boa fé da SDM no processo de renovação da concessão do CINM.
Fonte do executivo confirmou ao PÚBLICO que os documentos solicitados estão relacionados com a concessão da zona franca à SDM. “São públicos. Constam de diversas plataformas”, disse a mesma fonte.
Este processo está a ser também alvo de uma comissão parlamentar de inquérito, que decorre na assembleia madeirense, a pedido do PS.
DCIAP confirma buscas
Também o DCIAP confirmou as diligências desta quarta-feira, relacionadas com um “inquérito que investiga factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de prevaricação, corrupção e participação económica em negócio”.
Num comunicado publicado online, o DCIAP precisa que as buscas foram feitas na “Presidência do Governo Regional da Madeira e Secretaria-Geral da Presidência; vice-presidência; Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura; direcção regional adjunta dos Assuntos Parlamentares, Relações Externas e da Coordenação; direcção regional adjunta das Finanças; Sociedade de Desenvolvimento da Madeira; e em duas sociedades comerciais e duas residências particulares”.
“Em causa estão factos relacionados com a adjudicação, por ajuste directo, pelo Governo Regional da Madeira da concessão da administração e exploração da Zona Franca da Madeira à SDM — Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, SA”, confirma a nota, acrescentando que está a ser investigada “uma eventual relação” entre a adjudicação e a venda, a um fundo imobiliário, de um conjunto de imóveis onde se encontra instalada uma unidade turística.
“O inquérito, que se encontra em segredo de justiça, não tem, até ao momento, arguidos constituídos”, assegura o DCIAP.
Notícia corrigida: o processo não tem arguidos constituídos