Noite
Porto Drag Festival: entrem, divirtam-se
A 17.ª edição do Porto Drag Festival já começou. Nas próximas sextas-feiras de Janeiro, o Café Lusitano, no Porto, vai ser o palco de várias drag queens.
Uma porta no fundo do Café Lusitano, no Porto, fecha-se para esconder os preparativos que lá se fazem. Mais de 50 cadeiras rodeiam o pequeno palco. A música só se faz ouvir do lado de fora. Ali, só se escuta mesmo a agitação. O espectáculo começa à meia-noite, mas o camarim, que está atrás do local de performance improvisado, já acolhe os aprestos das protagonistas.
E, se de um lado, o Café Lusitano emana uma atmosfera íntima, sofisticada, fruto da decoração vitoriana e das luzes quentes, do outro, este ambiente é posto à prova. O camarim mantém o estilo de toda a casa: quadros antigos, mobiliário de madeira, paredes vermelhas e castiçais no tecto. No entanto, as cores garridas das roupas, a vivacidade das perucas e da maquilhagem parecem desafinar o espaço. Já é assim há 17 anos, duas vezes por ano.
Asheley Fox, de 29 anos, está sentada a segurar na peruca loira que tem na cabeça. Sanmyra Summer é quem lhe faz os caracóis. São as duas de Lisboa. Vieram para a 17.ª edição do Porto Drag Festival e é a primeira vez que actuam no Café Lusitano. “Estamos com uma enorme vontade de arrasar”, atira Sanmyra.
Asheley é draq queen há 13 anos. “Comecei a actuar como um escape para eu ser eu”, explica a jovem. “Lá em cima, esquecemos quem somos e viramos artistas”, acrescenta Sanmyra, que é drag queen desde 2001. Agora, depois do público” encher casas” para as verem, “fazem shows” para animar a plateia.
Na verdade, são as palmas que as fazem continuar. “Quando o público interage connosco, dá-nos mais energia e sentimo-nos mais motivadas”, conta Sanmyra. “Nós damos sempre o nosso melhor (…) e o melhor agradecimento é quando temos palmas no início, no meio e no fim”, confirma Asheley.
Na parte de trás do camarim, vêem-se as perucas a espreitar. Os chãos e mesas vestem-se de malas carregadas de roupas que vão intervir no primeiro espectáculo de Janeiro. Os frascos de laca, as escolas e os pincéis de maquilhagem também marcam presença. O espelho ao alto revela os preparos das duas outras drag, Susana Mastroianni e Katy Wandolly, que vão participar no show.
“Katy Wandolly, 57 anos, e fui a primeira [transformista] nesta cidade”, é assim que a drag se apresenta. Apesar de actuar desde 1976, é também a sua primeira vez no Café Lusitano. Esta noite, como as outras três protagonistas, vai apresentar duas canções. “Prefiro fazer a mexida logo a abrir, para me sentir mais à vontade porque não conheço o espaço”, diz. A plateia desta noite não lhe levanta problemas. “Os portugueses são um público muito bom, maravilhoso. Eu adoro. Nunca fui para o estrangeiro trabalhar, porque gosto muito disto aqui.”
Deviam era dar mais oportunidades aos espectáculos, comenta Susana Mastroianni, com 48 anos. Só assim é que “percebem que realmente vale a pena”, porque isto “é glamour, beleza, talento”, explica a host do festival. Ao participarem, “vão divertir-se e rir-se imenso”, acrescenta. “Vão ver uma coisa diferente.”
Susana gosta de interagir com o público e já o faz há 30 anos. Além de encarnar uma cantora e de actuar, opta também por falar. São poucas as drag que se dirigem às pessoas, nota. E, apesar de ter sempre uma plateia diferente todas as noites, não leva nada escrito. Pensa previamente em piadas que costumam funcionar com todos, mas depois representa consoante o espírito e o à-vontade de quem a olha. Em palco, segue sempre a mesma linha: abraça um “estilo muito exagerado”.
E é este estilo que abre os espectáculos de todas as sextas-feiras de Janeiro. “Já é meia-noite? Já vamos começar?”, ouve-se perguntar. Os frascos de laca disparam. São dados os últimos toques aos cabelos volumosos. Os vestidos são aprumados. As diferentes partes do corpo são abanadas e posicionadas nos seus devidos lugares. As roupas são reveladoras e se não têm lantejoulas têm penas ou cintos. Há brilho e brilhantes aqui, acolá e em todas as peças. Não faltam pulseiras e colares pomposos. Olham todas mais uma vez para as suas figuras reflectidas nos espelhos.
O público começa a entrar. As cadeiras ocupam-se. A agitação do camarim começa a cessar e a plateia encarrega-se do burburinho. As luzes encaminham os olhares para o centro do palco. “Five, four, three, two, one”. É esta contagem decrescente que se faz ouvir antes de Susana Mastroianni dar início ao espectáculo. E é então que começa a música, as performances, os aplausos e as gargalhadas que animam o Café Lusitano durante mais de uma hora.
Ao contrário das últimas edições, este ano, os espectáculos têm shows organizados por categorias. Nesta sexta, sobem ao palco exclusivamente mulheres trans. A sexta-feira à moda do Porto chega na próxima semana e recebe transformistas locais. Por fim, o festival termina com a “Noite Cabaret”.
“Normalmente, não fazemos esta divisão”, conta Mário Carvalho, organizador do festival e dono do Café Lusitano. “Ao fim de tantas edições quisemos fazer algo diferente” e também quisemos dedicar uma noite às mulheres trans por causa de “todas as polémicas que surgiram associadas à Miss Portugal”, esclarece.
Quando Mário abriu o bar, já há 19 anos, fê-lo para um “público gay friendly”, “que sabe aceitar as opções de cada um”. “É muito difícil termos patrocínios, porque as marcas não querem a sua imagem associada a este género de eventos. Já tive coisas caricatas: marcas de bebidas que se associam ao movimento LGBTQIA+ e, que depois têm os representantes cá em Portugal a dizerem que este não é o seu target”, conclui.
Embora os apoios não sejam muitos, está convencido que neste festival as pessoas vão deparar-se com uma “representação de qualidade”. Para Mário, as pessoas deviam participar num show e trazer os filhos, “que já estão mais receptivos a estas performances”.