Procuradora que criticou Ministério Público alvo de processo disciplinar

Decisão do Conselho Superior do Ministério Público segue-se a instauração de processo de averiguações feita pela procuradora-geral da República após ter recebido exposição do director do DCIAP.

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Procuradora-geral da República, Lucília Gago, determinou a instauração de um processo de averiguação à procuradora na sequência de um artigo no PÚBLICO Rui Gaudencio
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A procuradora-geral adjunta Maria José Fernandes, que criticou a actuação do Ministério Público perto de duas semanas depois de ter sido lançada a Operação Influencer num artigo publicado no PÚBLICO, vai ser alvo de um processo disciplinar. Isso mesmo foi confirmado esta quinta-feira ao fim da tarde, ao PÚBLICO, pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

“O Conselho Superior do Ministério Público [CSMP] deliberou, por maioria, a conversão do procedimento especial de averiguação em processo disciplinar comum”, informou a PGR, num e-mail enviado pelo seu gabinete de imprensa.

Num artigo intitulado Ministério Público: como chegámos aqui?, publicado no PÚBLICO a 19 de Novembro, a magistrada criticava, entre outras coisas, a lentidão e os métodos de investigação no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), o mais especializado do Ministério Público, que concentra os inquéritos mais graves de criminalidade violenta, complexa e altamente organizada e onde corre a Operação Influencer.

Na sequência de uma exposição do director do DCIAP, Francisco Narciso, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, determinou a instauração de um processo de averiguação, que foi esta quinta-feira convertido em processo disciplinar. A decisão da secção disciplinar do CSMP foi aprovada por maioria. Sete procuradores, incluindo Lucília Gago, votaram a favor de que Maria José Fernandes fosse alvo de processo disciplinar, por considerarem existir indícios da violação dos deveres de reserva, lealdade e correcção.

Situação oposta foi a assumida pela maioria dos membros que não são magistrados. Dos quatro que compõem aquela secção, três, todos eleitos pela Assembleia da República, votaram contra a instauração do processo disciplinar. O quarto elemento, um advogado da firma Morais Leitão indicado pela ministra da Justiça, considerou-se impedido, já que é sócio da mesma sociedade de advogados que dois dos arguidos da Operação Influencer, um dos quais foi um detido neste caso.

Contactada pelo PÚBLICO, Maria José Fernandes garantiu ter sabido da decisão do conselho superior pela comunicação social, mas disse já estar à espera que fosse esta a resolução. A magistrada adiantou que pretende requerer que a sua defesa se faça numa sessão pública, presidida pela procuradora-geral e onde terão que estar os 11 membros da secção disciplinar.

Antes, depois de ser conhecida publicamente a instauração do processo de averiguações, Maria José Fernandes tinha afirmado estar segura de não ter violado nenhum dever estatutário. “Mantenho tudo o que escrevi, sejam quais forem as consequências”, declarou, acrescentando que aguardava com serenidade o desenrolar do processo.

No artigo de opinião, Maria José Fernandes, que era inspectora do Ministério Público e se jubilou recentemente, criticava a lentidão dos inquéritos do DCIAP onde “pontuam algumas prima donna intocáveis e inamovíveis e onde a ‘falta de meios’, de peritos disto e daquilo é sempre a velha razão para os passos de tartaruga a que se movem as investigações”. E defendia que naquele e noutros departamentos do Ministério Público “deveria privilegiar-se o pensamento crítico e a discussão interdisciplinar”, nomeadamente com colegas de outras áreas do direito.

“Procuradores que não hesitem em meios de recolha de prova intrusivos, humilhantes, necessários ou não, são o ‘top’ da competência!”, ironizava Maria José Fernandes. Que recordava o que se passou em Itália nos anos 80 e 90: “A actuação autónoma dos procuradores era de tal ordem que começou a criar graves problemas de desestabilização e até de oportunismo político. Foi necessário introduzir normas de equilíbrio, ali por via de regulamentação interna.”

Para a magistrada, permitiu-se “a criação de uma bruma de auto-suficiência totalmente nefasta e contrária ao que deve ser a qualidade e a excelência.” Na mesma publicação, a procuradora-geral adjunta alertava para o perigo de haver, no Ministério Público, quem olhe para a investigação criminal como uma extensão de poder sobre outros poderes, sobretudo os de natureza política. Daí que sejamos surpreendidos, de vez em quando, com buscas cuja utilidade e necessidade é nenhuma, apontava.

No artigo de Maria José Fernandes, que apesar de jubilada continua a trabalhar pro bono no Ministério Público, não existem referências expressas ao caso que levou à detenção do então chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, e do advogado Diogo Lacerda Machado, mas há várias indicações que apontam para ele. “Como foi possível acontecer tudo aquilo a que assistimos há duas semanas? Como se chegou até à tomada de decisões que provocaram uma monumental crise política e cujas consequências vão ainda no adro?”, questionava no segundo parágrafo do artigo.

Todos os procuradores da secção disciplinar consideram que há indícios de que Maria José Fernandes violou o dever de reserva a que está obrigada porque falou de um processo concreto: a Operação Influencer.

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