O ex-atleta paralímpico Oscar Pistorius saiu em liberdade condicional nesta sexta-feira, quase 11 anos depois de ter assassinado a namorada, avança o Departamento de Serviços Correccionais sul-africano. O crime, que o colocou na prisão em 2014, chocou a África do Sul, um país há muito habituado à violência contra as mulheres.
Pistorius — conhecido por Blade Runner devido às suas pernas protésicas de fibra de carbono — matou a modelo Reeva Steenkamp, de 29 anos, a tiro através da porta de uma casa de banho fechada, no Dia dos Namorados (14 de Fevereiro) de 2013.
O atleta sempre se defendeu com a tese de que confundiu a namorada com um intruso quando disparou quatro tiros para a casa de banho da sua casa, num bairro de luxo de Pretória. E foi esse o argumento que os seus advogados utilizaram para os vários recursos entrepostos contra a sua condenação.
“O Departamento de Serviços Correccionais confirma que Oscar Pistorius está em liberdade condicional, com efeito a partir de 5 de Janeiro de 2024. Foi admitido no sistema de Correcções Comunitárias e está agora em casa”, foi detalhado em comunicado.
Pistorius, actualmente com 37 anos, foi condenado a 13 anos e cinco meses: passou sete meses em regime domiciliário antes de ser condenado por homicídio e, posteriormente, cerca de oito anos e meio na prisão. Em Novembro, uma comissão de liberdade condicional decidiu que poderia ser libertado depois de ter cumprido mais de metade da pena.
A família Steenkamp já reagiu. Numa declaração partilhada pelo advogado, a mãe de Reeva, June, lamenta: “Não pode haver justiça se a nossa filha nunca mais volta e nenhum tempo de prisão trará Reeva de volta.”
“Nós, que ficamos para trás, somos os que estão a cumprir uma pena de prisão perpétua”, declarou ainda June Steenkamp, acrescentando que o seu único desejo é poder viver em paz depois de Pistorius sair em liberdade condicional.
Até ao fim da pena, que finda em Dezembro de 2029, Pistorius será vigiado pelas autoridades de reinserção social e terá de informar se procura emprego ou se pretender mudar de residência. O antigo atleta terá igualmente de continuar a fazer terapia para controlar a raiva e assistir a sessões sobre violência baseada no género, como parte das condições de liberdade condicional, detalhou a família Steenkamp.
June Steenkamp sublinhou que as condições impostas pela comissão judicial reforçaram a crença no sistema judicial sul-africano, já que frisam a mensagem clara de que a violência baseada no género é levada a sério.
Até agora, o advogado de Oscar Pistorius não se pronunciou sobre a libertação desta sexta-feira. A imprensa nacional prevê que Blade Runner vá viver para casa do tio Arnold Pistorius, nos arredores de Pretória.
As opiniões dos sul-africanos dividem-se quanto à libertação do antigo atleta, com alguns a acharem que cumpriu a pena e merece a liberdade, enquanto outros consideram o castigo demasiado suave. “Ele pagou o preço. Deixem-no reconstruir a sua vida”, disse um vizinho aos jornalistas reunidos à porta da casa do seu tio na manhã de sexta-feira.
De estrela paralímpica a assassino condenado
Oscar Pistorius nasceu a 22 de Novembro de 1986 em Joanesburgo, sem fíbulas — os ossos que ligam o joelho ao pé. Antes de completar um ano de vida, teve ambas as pernas amputadas, mas nem isso impediu que se tornasse atleta na adolescência, quando aprendeu a andar com as próteses.
Em tempos, foi o queridinho do mundo do desporto e um exemplo pioneiro para os atletas com deficiência. Foi também graças aos seus apelos que estes desportistas puderam começar a competir com participantes sem deficiência em grandes eventos desportivos.
Em Agosto de 2012, poucos meses antes de matar a namorada, Pistorius tornou-se o primeiro duplo amputado a competir nos Jogos Olímpicos; em Londres, chegou às meias-finais dos 400 metros. Nos Paralímpicos, foi campeão dos 200 metros em Atenas 2004 e dos 100, 200 e 400 metros em Pequim 2008.
Dois anos depois, em Outubro de 2014, foi condenado a cinco anos de prisão por homicídio, uma pena que, em 2016, o Supremo considerou “chocantemente branda”. A revisão do caso levou o tribunal a aumentar a pena do antigo atleta para 13 anos e cinco meses.
Em 2022, Pistorius encontrou-se com o pai de Reeva, Barry Steenkamp, num “diálogo vítima-agressor", parte integrante do sistema de justiça restaurativa da África do Sul. Baseada em parte na forma como as culturas indígenas lidavam com o crime muito antes de os europeus colonizarem a África do Sul, este tipo de justiça visa encontrar uma solução para as partes afectadas, em vez de se limitar a punir os autores.
Inicialmente, foi-lhe negada a liberdade condicional em Março deste ano. No entanto, o Tribunal Constitucional decidiu posteriormente que Blade Runner tinha cumprido metade da pena e que era elegível para liberdade condicional — sobretudo porque a pena é retroactiva até Julho de 2016, quando foi condenado pela primeira vez.