Tantos, muito diferentes e tão parecidos
Todas as pessoas contam, mas também se contam. À aritmética de somar mais uma ou mais mil junta-se a reflexão sobre o que lhes vai no pensamento.
O livro começa com o contorno de uma paisagem, sem presença humana. Legenda: “Ninguém.”
Em seguida, vê-se um rapaz deitado na cama do seu quarto a olhar para o céu através da janela. Texto: “Uma pessoa está deitada na cama e conta os batimentos do seu coração. Pergunta-se quantas pessoas estarão a ver, naquele momento, as mesmas estrelas que ela.”
Na página seguinte, de novo a paisagem inicial, mas já com presença humana, o rapaz do quarto e um adulto. Narrativa breve: “Duas pessoas no bosque. Uma delas diz algo que a outra recordará toda a vida.”
O livro prossegue acrescentando pessoas diversas, com diferentes pensamentos, antevendo acontecimentos às personagens que vão surgindo e dando pistas para que as procuremos mais adiante. Exemplo para o número 9: “Nove pessoas esperam numa fila. Duas delas têm de tomar decisões importantes. Uma não tardará a irritar-se. Outra está contente por ir ao cinema com o filho.”
À medida que os números crescem, vamo-nos familiarizando com alguns rostos e entramos facilmente no jogo de os procurar nas páginas seguintes. Cada vez mais pessoas que contam entram em cena, com os seus pensamentos, receios e anseios.
Trata-se afinal de um livro de contagem sobre todos nós, num registo simples de apreender, que explora a observação, amplia o sentido crítico e convida a reflectir sobre as grandes questões da humanidade, sejam emocionais ou existenciais. Filosofia.
Inclusivo mas sem cartilha
As ilustrações coloridas, expressivas e muitas vezes divertidas, convidam a sucessivos olhares e a múltiplas descobertas. É um livro para ler e reler, ver e rever. Haverá sempre novas descobertas. Quem disse que a interactividade era exclusiva dos ecrãs?
Este livro está a ser traduzido para mais de 40 línguas e em 2019 ganhou o Prémio de Literatura para Crianças e Jovens do Conselho Nórdico. Distinguido com ouro na Noruega Visuelt e The Year’s Most Beautiful Books, foi nomeado para o Brageprisen e o World Ilustration Award.
No site da autora, norueguesa, informa-se que já criou nove livros ilustrados, tendo também desenhado para obras de outros escritores. Ali se diz ainda que Roskifte é mestre em Ilustração pela Universidade de Kingston, em Londres, e licenciada em Ilustração pela Cambridge School of Art.
É co-proprietária da Magikon Forlag, uma pequena editora especializada em livros ilustrados e livros sobre cultura visual, vive e trabalha nos arredores de Oslo, com o marido e os três filhos. Tem uma grande colecção de cadernos de esboços, onde documenta todas as partes da vida diariamente (e à noite).
Em Todos Contam, o cruzamento de histórias e pensamentos das diferentes personagens sem nome, com quem o leitor se pode identificar aqui e ali, torna esta obra naturalmente inclusiva, sem disso fazer bandeira ou cartilha.
“Sete mil e quinhentos milhões de pessoas no mesmo planeta. Cada uma delas tem a sua história, que é sempre única”, diz-se já no final. Estamos lá todos. Tantos, muito diferentes e tão parecidos.