Mais de 10.700 pessoas viviam como sem-abrigo em 2022

Aumento do número em relação a 2021 pode dever-se ao facto de, pela primeira vez, todos os municípios terem preenchido o questionário que permite fazer o levantamento do número de pessoas sem-abrigo.

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Menos 2500 pessoas em situação de sem abrigo desde 2020 Paulo Pimenta

Mais de 10.700 pessoas viviam na condição de sem-abrigo em 2022, segundo os dados oficiais mais recentes, em que pela primeira vez foi feito um levantamento em todos os municípios de Portugal continental. Segundo a síntese de resultados do Inquérito de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo para o ano de 2022, “foram sinalizadas 10.773 pessoas em situação de sem-abrigo”.

Destas, 5975 viviam na condição de sem-tecto, ou seja, a viver na rua, num abrigo de emergência ou noutro local precário, enquanto as restantes 4798 não tinham casa e viviam num alojamento temporário.

O coordenador da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA), Henrique Joaquim, admitiu que quantitativamente há um aumento em relação a 2021, mas apontou como explicação o facto de, pela primeira vez, todos os municípios terem preenchido o questionário que permite fazer o levantamento do número de pessoas sem-abrigo.

Questionado sobre se o número de pessoas sem-abrigo poderá ser mais elevado, tendo em conta que muitas associações de apoio a estas pessoas dão conta de que o fenómeno está a aumentar, Henrique Joaquim recusou pronunciar-se, argumentando não ter dados estatísticos para 2023.

“Estamos a falar de dois períodos temporais diferentes, portanto, uma coisa é falarmos até 2022, outra coisa é falarmos da realidade em 2023, aí não consigo dar números concretos”, apontou, acrescentando que o método actual passa por só no final de cada ano ser aplicado o questionário de caracterização.

Os dados divulgados nesta quarta-feira referem que, “face à população residente, existiam em Portugal continental 1,08 pessoas em situação de sem-abrigo por mil residentes”. “O Alentejo, a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve [são] as regiões que registaram as proporções mais elevadas, respectivamente 2,13; 1,60 e 1,51 (pessoas em situação de sem-abrigo por mil residentes)”, lê-se no documento.

Depois de solicitada informação aos Conselhos Locais de Acção Social (CLAS) ou Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) dos 278 concelhos, dos quais se obteve 278 respostas, “não foram consideradas as respostas de Estremoz, Faro, Olhão e Portimão por se ter verificado que não correspondem ao número de pessoas em situação de sem-abrigo nesses territórios”, o que, ainda assim, corresponde a uma taxa de resposta validada de 98,6%. Já em 2021 não foi possível obter os dados do concelho de Sesimbra.

“Atendendo aos números reportados pelos 273 concelhos que participaram na recolha de informação a 31 de Dezembro de 2021 e 31 de Dezembro de 2022, verifica-se um aumento de 19% de pessoas em situação de sem-abrigo em território continental”, lê-se no relatório.

Segundo os dados apurados, existem pessoas sem-abrigo em 156 dos concelhos (57%), sendo que nos restantes 118 não houve qualquer registo. O fenómeno está disperso um pouco por todo o território nacional, “com concentração substancial nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto”.

“Observa-se que estes territórios concentram 56% do valor total de pessoas em situação de sem-abrigo”, lê-se no relatório, que acrescenta que “50% dos concelhos têm, no máximo, 10 pessoas nessa situação e 21% têm até duas pessoas em situação de sem-abrigo”.

Segundo o coordenador da ENIPSSA, o perfil da pessoa em situação de sem-abrigo não sofreu alteração, mantendo-se, genericamente, o género masculino, em idade activa acima dos 45 anos e “com várias problemáticas associadas”.

No entanto, foram identificados 1099 casais em situação de sem-abrigo em todo o país, 781 dos quais na condição de sem tecto. “A naturalidade de 13% das pessoas sem tecto é desconhecida”, enquanto, “para os restantes, prevalece a naturalidade portuguesa”.

Refere também que quase um terço do total de pessoas sem-abrigo está nesta condição entre um a cinco anos e para 61% o Rendimento Social de Inserção (RSI) é a fonte de rendimento mais mencionada. Por outro lado, os dados indicam que só no ano passado 717 pessoas conseguiram deixar a situação de sem-abrigo e encontraram uma habitação permanente, das quais 323 na área metropolitana de Lisboa.

Menos 2500 pessoas em situação de sem-abrigo desde 2020

Cerca de 2500 pessoas deixaram de viver na condição de sem-abrigo nos últimos três anos, revelou o coordenador da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA), que destacou terem sido anos “particularmente complicados”.

Em declarações à agência Lusa, Henrique Joaquim revelou que entre 2020 e 2022 foi possível retirar “cerca de 2.500 pessoas” da condição de sem-abrigo. “Estamos a falar, obviamente, de 2020, 2021 e ainda 2022, anos particularmente complicados por via da covid-19 e, depois, da crise, da inflação”, sublinhou. Acrescentou que actualmente existem cerca de mil lugares protocolados, quer em regime de housing-first, quer em habitação partilhada, com “taxas de ocupação acima dos 80%”, estando previstas mais 380 vagas a aprovar brevemente.

“Desde que esta resposta está a funcionar, estamos a falar para 2020, 2021 e 2022, já passaram por estas vagas mais de 850 pessoas”, revelou Henrique Joaquim. Referiu também que para esses três anos, estas respostas representaram um investimento de mais de 5,5 milhões de euros, via Orçamento do Estado, além dos projectos apoiados pelo Fundo Social Europeu, que “já tem novos avisos [para concursos] abertos em todas as regiões, excepto a norte, que vai arrancar em 2024.

“Para que possamos continuar a aumentar as respostas para estas pessoas nos municípios, ou seja, para dar mais consistência a esta abordagem que foi criada”, sublinhou.

Desde 2020, foi possível colocar em mercado de trabalho mais de 400 pessoas, num trabalho conjunto com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), além de terem sido feitas “mais de 2 mil intervenções na área da formação e do acompanhamento”.

A actual ENIPSSA termina no final de 2023 e, segundo Henrique Joaquim, está a ser fechada a respectiva avaliação, ao mesmo tempo que está a ser preparado o novo documento para os próximos três anos (2024-2026), o qual deverá ir “para consulta pública no início do ano”.

Em relação ao novo documento, o coordenador da ENIPSSA adiantou que a principal novidade está no trabalho de prevenção, depois de ter sido feita uma apreciação mais geral e definido o que era preciso reforçar e que precisava de maior investimento, admitindo que em matéria de prevenção não tem havido até agora uma “abordagem tão consistente”.

Contabilização vai ter novo sistema de informação para dados mais reais

A contabilização das pessoas em situação de sem-abrigo vai ser feita com recurso a um novo sistema de informação, para permitir ter dados mais rápidos e personalizados, anunciou o coordenador da Estratégia para a Integração das Pessoas Sem-Abrigo.

Actualmente, só no final de cada ano é que cada Conselho Local de Acção Social (CLAS) ou Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) dos 278 concelhos aplica o questionário de caracterização.

Henrique Joaquim revelou que já está “em fase de implementação um sistema informático de informação, através de uma aplicação informática”. “Vai permitir aos técnicos, às equipas, fazer a gestão das situações personalizadas e possibilitará também ter dados em tempo mais curto, até em tempo mais real”, explicou.

“O instrumento vai estar preparado para que, quer a nível local, concelhio, quer a nível nacional, nós possamos em todo o momento extrair a informação que nos permita ir tomando decisões mais atempadas”, defendeu.

Sublinhou que uma das metas é que cada uma das pessoas em situação de sem-abrigo tenha um gestor de caso e que com esta nova ferramenta esse indicador será um dos primeiros a ser monitorizado, apontando que é “um ponto crítico” para haver sucesso na intervenção.

Adiantou que a implementação do novo sistema começou “há umas semanas” e está a ser disseminado nos “35 núcleos que trabalham directamente com a estratégia”. “O objectivo é vir a substituir a metodologia que temos de recolha de dados através de questionário, no fim do ano, por este sistema de informação”, apontou Henrique Joaquim.